Descrição de chapéu Vida Pública

Pandemia reverte curva de queda e faz aumentar busca por desaparecidos

Número de casos estava caindo no país, mas voltou a crescer no ano passado; poder público tenta articular procura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A estudante Isabella Nogueira Preissler, 20, já não tinha mais expectativas de conhecer o avô materno. Foram quase 30 anos sem contato da família com Olavo André Nogueira, até que um telefonema na noite do último dia 9 de setembro renovou a esperança. Era um tio da jovem informando que o parente havia sido encontrado nas ruas na zona sul de São Paulo.

Nogueira havia chegado do Pará e, segundo relatos da família, teve os documentos roubados. Sem destino e desorientado, acabou perambulando pelas ruas. Ele foi recolhido pela assistência social da prefeitura, que conseguiu descobrir um contato com um familiar dele no Espírito Santo.

Segundo a neta, a família, que mora em Diadema, na Grande SP, não acreditou no encontro inicialmente, pois muitos anos haviam passado e o sentimento era que Nogueira, hoje com 86 anos, já estivesse morto. No passado, Rosimar Nogueira, a filha, havia contratado até um detetive para procurar o pai, mas não teve sucesso e desistiu.

Imagem colorida mostra, da cintura para cima, duas jovens à esquerda, outras duas mulheres à direita, e um homem idoso, sentado à frente; As jovens e uma das mulheres vestem blusas de moletom na cor preta; a mulher à direita veste blusa verde. O homem está com um gorro marrom e uma camisa vermelha.
As netas Isabela (esq.) e Heloísa, Rosimar, a filha, e Maria, a ex-mulher, juntas com Olavo Nogueira, 86, encontrado pela família após 29 anos - Karime Xavier /Folhapress

"Minha mãe chegou perto dele e perguntou se ele lembrava dela, mas ele disse que não. A minha mãe chorou. Aí ela falou que era a Marinha [Rosimar, a filha]. Aí foi ele que chorou", diz Isabella.

O caso de Nogueira é um entre vários que ocorrem no Brasil todos os dias e que cresceram na pandemia da Covid-19. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em agosto deste ano, o Brasil registrou 65.225 desparecimentos em 2021, um aumento de 3,2% em relação ao ano anterior.

Chama atenção que, entre 2017 e 2020, o número de pessoas desaparecidas estava caindo ano a ano no país. Em 2020, foram registrados 62.113 casos, uma queda de 25,7% em relação a 2017, quando foram computados 83.701 desaparecimentos. Porém, foi crescer justamente em um momento onde havia o isolamento social.

Para quem trabalha em órgãos públicos voltados para a localização de pessoas desaparecidas, a sensação é de que a pandemia despertou atenção maior por parte dos familiares em buscar parentes que não tinham contato havia algum tempo.

"O que a gente recebeu mais foram situações de perda de contato, em decorrência do grande número de óbitos que era registrado na imprensa. Pessoas que não tinham contato havia 15 anos e acabou fazendo um boletim de ocorrência", diz Darko Hunter, diretor técnico da Divisão de Localização Familiar e Desaparecidos da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

Dos 26 estados mais o Distrito Federal, apenas sete tiveram queda no número de casos de desaparecidos em 2021. O Pará teve a maior variação, com 146,6% de aumento, segundo o anuário.

Estados com maior aumento Estados com maior queda
Pará 146,6% Amazonas 29,4%
Rio Grande do Norte 120,8% Amapá 23,6%
Tocantins 67,2% Rondônia 9,6%
Acre 42,1% São Paulo 6,2%
Alagoas 29,8% Pernambuco 4,6%

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022

O promotor José Maria Gomes, Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Políticas Criminais, Execução Penal e Controle Externo da Atividade Policial do Pará, também vê a pandemia como um dos fatores que podem ter proporcionado o aumento.

"Houve um aumento até por causa do sentimento de perda muito forte que a pandemia causou em todos nós. A gente vai atrás daquilo que perdeu ou poderia perder."

Segundo o promotor, o Ministério Público está trabalhando em um programa de busca por desaparecidos em parceria com o governo do estado.

O Rio Grande do Norte foi o segundo estado com o maior aumento, com 120%. Para o delegado Claudio Henrique Freitas de Oliveira, coordenador da delegacia de desaparecidos, a maior facilidade para a notificação de um desaparecimento durante a pandemia contribuiu para um número maior de casos.

"Houve um aumento muito grande de registros online. Antigamente, as pessoas vinham até a delegacia. Agora, essa facilidade fez com que as pessoas que tentavam contato por uma, duas vezes e não conseguiam informação, fizessem um boletim online."

A unidade de pessoas desaparecidas no Rio Grande do Norte foi criada em 2020, durante a pandemia. Ainda está sendo montada uma rede entre os órgãos públicos, mas, segundo o delegado, é um caminho mais difícil.

"A gente tem uma certa dificuldade de acesso a alguns bancos de dados que seriam básicos. Por exemplo, temos muitos boletins de ocorrência de pessoas que possivelmente estão em situação de rua e a gente não consegue com as prefeituras esse cadastro."

Um outro fator que tem contribuído para o aumento, segundo as autoridades, é o fato de muitas famílias não notificarem os órgãos quando o desparecido é encontrado. Isso ficou mais evidente quando as pessoas foram em busca do Auxílio Emergencial.

Segundo Hunter, da prefeitura de São Paulo, muitos que foram tirar a segunda via do RG eram apontados como desaparecidos no banco de dados. "Muitas dessas pessoas já mantinham contato com o familiar, porém o boletim de ocorrência continuava aberto."

Ivanise Espiridião da Silva Santos, presidente da Associação Mães da Sé, trabalha desde 1996 com famílias que buscam por desaparecidos. Um ano antes, sua filha Fabiana, então com 13 anos, desapareceu depois de ir a uma festa.

Desde então, já cadastrou 11 mil casos de pessoas desaparecidas e 5.542 foram encontradas. Conta atualmente com 6.000 mães que ainda buscam seus filhos.

"A gente encontra os casos mais fáceis, aquelas pessoas que têm algum problema de saúde e acabam encontrando em hospitais, em casas que abrigam essas pessoas. A pessoa que desaparece de fato é muito difícil de encontrar. A minha filha desapareceu no dia 23 de dezembro de 1995, com 13 anos. Até hoje nunca tive nenhuma informação sobre o paradeiro dela."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.