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Bruno Kim

O que amo do Brasil

Somos brasileiros, natos, naturalizados ou de coração, ao contrário do que tenta provar por meio de insinuações o blogueiro Douglas Nascimento

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Bruno Kim

é administrador, tem MBA pela Universidade de Michigan, trabalha na gestão pública há mais de 25 anos e é fundador da ONG Inovar Educação

São Paulo

"O que você mais ama do Brasil"?, me perguntam frequentemente por acharem que não sou brasileiro. Tenho a resposta na ponta da língua: amo quando, por exemplo, um carro com problemas para na rua e nem é preciso pedir ajuda, pois, automaticamente, muitas pessoas se juntam para empurrar. Outra pergunta comum é: "se jogar Brasil e Coreia, pra que time você torce"? A resposta também está na ponta da língua: Brasil.

Somos brasileiros, natos, naturalizados ou de coração, ao contrário do que tenta provar por meio de insinuações meticulosamente construídas o blogueiro Douglas Nascimento, que dias atrás escreveu no blog São Paulo Antiga, no site da Folha, o texto "Pelo respeito à diversidade cultural do Bom Retiro". Nele, o autor traz ao leitor informações erradas e juízos pessoais que ofendem a comunidade coreana, que merece tanto respeito quanto as outras comunidades europeias que ele exalta. Muitos de nós não nascemos aqui, porém escolhemos viver aqui e isso diz muito sobre a gente.

Região do Bom Retiro, em São Paulo - Rubens Cavallari - 6.ago.21/Folhapress

Não há uma repentina invasão coreana no bairro, algo de teor pejorativo que se assemelha muito ao discurso do "perigo amarelo", que discriminava outras imigrações leste-asiáticas e que foi muito utilizado no passado, com resquícios até hoje. Estamos presentes no Bom Retiro desde os anos 70 e, neste ano, comemoramos os 60 anos de imigração oficial para o Brasil por meio de um programa de governo bilateral. Antes disso, no entanto, muitos já estavam por aqui, numa época onde não havia Psy, BTS ou novelas coreanas, e marcas como Hyundai, Samsung e LG ainda não tinham o prestígio que têm hoje.

Ignorando os termos ofensivos que o autor usou para descrever símbolos culturais coreanos, diminuindo-os sem pudor algum, o debate entre apagamento e representatividade precisa ser tratado de forma respeitosa e consciente. Como, por exemplo, sem ridicularizar a reverência da Câmara Municipal de São Paulo e de uma vereadora ao nomearem uma via do bairro paulistano onde há grande concentração de coreanos de rua Prates-Coreia –a primeira e única homenagem do tipo num espaço que já tem diversas homenagens a italianos, portugueses e judeus. Não seria isso justamente o que o próprio autor tenta imputar à comunidade coreana, de atropelamento da diversidade?

A história dos coreanos no Brasil não pode ser minimizada ou estereotipada, desumanizando um grupo étnico que está aqui há décadas, apesar de não possuir "50 mil potenciais eleitores" como o desinformado autor mencionou, mostrando desconhecimento. Atualmente, os números oficiais estão em 35 mil coreanos e descendentes vivendo no Brasil e, por tudo que fizemos para ajudar no engrandecimento deste país, merecemos respeito! Entre outras importantes contribuições, há décadas somos responsáveis por significativa parte da moda feminina no Estado de São Paulo, gerando dezenas de milhares de postos de trabalho.

Por tudo isso, gostaria de dirigir algumas palavras ao referido autor: Douglas, não sabemos qual foi a sua intenção ao escrever um texto tão tendencioso. O seu blog incomodou muitas pessoas da comunidade, pois, com o rosto asiático, já sofremos bastante preconceito ao sermos considerados forasteiros, não precisamos de um desserviço como o seu. Somos tão brasileiros quanto os citados por você. O seu ataque teve forte teor xenofóbico e racista, algo que, infelizmente, as minorias étnicas estão acostumadas, incluindo os coreanos, e, logicamente, aqueles que mais sofrem, os negros.

Estamos acostumados a ouvir frases como "abre o olho", "volta pra tua terra" ou "flango flito", e não necessitamos que alguém venha nos insultar publicamente. Será que um dia deixaremos de ser considerados "estrangeiros" na (agora) nossa própria casa?

Sobre mim, sim, sou brasileiro. E como sei disso? Porque quando um carro para na rua com problemas, agora sou eu quem estou entre as pessoas que se juntam para ajudar a empurrar o veículo e espero um dia encontrá-lo ao meu lado, juntos ajudando o próximo sem olhar a quem. Deus abençoe o nosso lindo e multicultural país, o Brasil!

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