Descrição de chapéu yanomami

Presidente do TCU diz que não tinha informação sobre gravidade da situação de yanomamis

Argumento foi usado como motivo para tribunal não ter aberto auditoria sobre assistência ao povo indígena; reportagens da época colocam afirmação em xeque

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Brasília

O presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), ministro Bruno Dantas, disse que a corte não tinha "absolutamente nenhuma informação de que os yanomamis viviam a situação dramática" e que tomou conhecimento da gravidade do caso apenas agora.

A declaração foi dada durante a sessão plenária do tribunal desta quarta-feira (1), como justificativa à reportagem publicada nesta terça-feira pela Folha, que mostrou que o tribunal deixou em banho-maria por mais de um ano uma proposta de auditoria sobre o tema.

Criança yanomami internada com desnutrição grave no Hospital da Criança Santo Antônio, em Boa Vista - Lalo de Almeida/Folhapress

Dantas disse que, no período, o país vivia o auge da pandemia e que o tribunal tinha uma lista de auditorias e fiscalizações para realizar e não tinha as informações que surgiram agora para dar prioridade ao caso.

"Não tínhamos absolutamente nenhuma informação de que os yanomamis viviam a situação dramática que tomamos conhecimento agora. Nem nós e ninguém no Brasil sabia, então era absolutamente impossível imprimir a urgência que agora nós determinamos. Não havia nenhuma denúncia revelando essa urgência", afirmou.

Entretanto, diferentes textos publicados pela imprensa —inclusive pela Folha— já mostravam a situação dos yanomamis naquele ano. Em maio de 2021, por exemplo, o jornal publicou uma reportagem sobre o tema e colocou na primeira página a foto de uma criança com malária, verminose e desnutrição.

Imagem da primeira página da Folha em maio de 2021
Primeira página da Folha em maio de 2021 já retratava situação de yanomamis - Reprodução

Outros textos foram publicados pelo jornal ao longo de 2021 como um editorial intitulado "Socorro aos yanomamis". No fim daquele ano, especialistas escreveram para o jornal o texto de opinião "Yanomamis revivem ameaça de extermínio com garimpo e omissão governamental".

Antes disso, medidas de outras autoridades já chamavam atenção para o problema. Em julho de 2020, a Justiça Federal determinou a pedido do MPF (Ministério Público Federal) que o governo federal teria 15 dias para retirar milhares de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. Na época, as lideranças indígenas já estimavam a presença de mais de 20 mil garimpeiros no território.

No TCU, o pedido de auditoria havia sido enviado pelo ministro Vital do Rêgo no dia 24 de novembro de 2021 à então presidente do TCU (Ana Arraes), aos demais ministros e à procuradora-geral de Contas (Cristina Machado).

"O que gostaria de compartilhar com este colegiado é uma profunda preocupação com o aumento da vulnerabilidade socioambiental dos povos indígenas no Brasil, diante das ameaças aos seus direitos territoriais, culturais, ambientais e à saúde", disse Vital na ocasião.

A solicitação, no entanto, ficou parada até o último dia 25 de janeiro, quando a presidência da corte determinou a abertura imediata da auditoria, em parceria com a CGU (Controladoria-Geral da União).

Nesta quarta-feira, Vital também se pronunciou sobre a demora e disse que não houve leniência por parte do tribunal, mas que "grande parte da força de trabalho estava voltada à urgência da pandemia".

Dantas acrescentou que a corte possui um plano de fiscalizações que é aprovado anualmente e que depende de uma programação prévia "pela simples razão de que os recursos humanos e funcionários do TCU não são infinitos".

"Por isso, existe uma cronologia de auditorias a serem realizadas e evidentemente que, quando o tribunal toma conhecimento de uma situação que torne uma fiscalização urgente, nós temos a sensibilidade e a responsabilidade com o país de determinar a urgência que o caso requer", declarou.

Além de ignorar o pedido de autoria, o TCU arquivou, em 9 de agosto de 2022, um pedido feito pelo Ministério Público de Contas para que o tribunal avaliasse a atuação da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) na proteção das terras e na saúde do povo yanomami.

A representação teve como base reportagem da Folha que relatou que os yanomamis foram ameaçados e silenciados após um ataque de garimpeiros a uma aldeia em Roraima. A ação teria resultado em violências como um suposto estupro e morte de uma indígena de 12 anos.

A publicação contou que Polícia Federal, MPF (Ministério Público Federal), Funai e Sesai estiveram no local da ocorrência, mas os indígenas não quiseram falar por medo de represálias. Na época, os órgãos divulgaram notas informando que não encontraram indícios de crimes na região e que as apurações continuariam.

Em seu pedido, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, afirmou que há tempos vinha apresentando ao TCU evidências do descaso do governo com a questão ambiental e que nenhuma medida concreta havia sido adotada pela Funai.

A unidade técnica do tribunal, porém, pediu o arquivamento do processo, afirmando que a solicitação não poderia ser cumprida por meio de representação do Ministério Público, e sim por uma fiscalização mais ampla. Também disse que o representante não constava do rol de legitimados para solicitar realização de auditorias ao tribunal e que o pedido não preenchia o requisito de admissibilidade relativo à apresentação dos indícios pertinentes ao fato noticiado.

Além disso, acrescentou que, em outras situações semelhantes, "de representações baseadas apenas em notícias de jornal, sem outros indícios de irregularidade", o tribunal havia entendido da mesma forma.

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