Desastre ambiental em Maceió completa cinco anos e atinge 60 mil pessoas

Resultado de mineração da Braskem, afundamentos do solo atingem área equivalente a 20% da capital alagoana; OUTRO LADO: empresa diz que atua para mitigar efeitos

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Salvador

"Quanto vale a história de uma vida?" A pergunta em tinta preta está estampada sobre o muro branco de uma casa que foi condenada em meio a rachaduras e afundamentos que se alastraram por cinco bairros e atingiram cerca de 60 mil pessoas em Maceió.

O maior desastre ambiental urbano em curso no país completa cinco anos nesta sexta-feira (3) com impacto em uma área equivalente a 20% do território da capital alagoana sem uma solução definitiva no horizonte.

Os primeiros alertas sobre os danos no solo vieram por meio de tremores de terra no dia 3 de março de 2018. O abalo sísmico fez ceder trechos de asfalto e causou rachaduras no piso e paredes de imóveis, atingindo cerca de 14,5 mil casas, apartamentos e estabelecimentos comerciais nos bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol.

Vista aérea do Mutange, um dos bairros atingidos pelo desastre ambiental causado pela exploração de sal-gema pela Braskem em Maceió (AL)
Vista aérea do Mutange, um dos bairros atingidos pelo desastre ambiental causado pela exploração de sal-gema pela Braskem em Maceió (AL); região que estava afundando está sendo aterrada - Jonathan Lins/Folhapress

Depois de 14 meses de estudos, o Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, concluiu que as atividades de mineração da empresa Braskem em área de falha geológica causaram os afundamentos.

A Braskem teve em Maceió 35 poços de extração de sal-gema, material usado para produzir PVC e soda cáustica. A exploração do minério começou em 1979 e se manteve até maio de 2019, quando foi suspensa um dia após a divulgação do laudo pelo Serviço Geológico.

A atividade de mineração deixou um rastro de impactos geológicos e ambientais que ainda estão em curso —não estão descartados novos tremores e afundamentos no futuro.

"Os impactos ambientais, assim como os sociais, são inexprimíveis. Não há ainda estabilidade no fenômeno, o que significa que os danos não cessaram", avalia o Ministério Público Federal, em nota enviada à Folha.

Esta é uma das razões por que o acordo socioambiental firmado com a Braskem não prevê valores fixos em relação à mitigação, reparação e compensação dos danos ambientais, que ainda estão sendo calculados.

Também há impactos dos afundamentos na lagoa Mundaú, estuário que fica na região atingida e que tem grande importância econômica e cultural com a atuação de marisqueiras na coleta do sururu.

Na avaliação do coordenador-geral da Defesa Civil de Maceió, Abelardo Nobre, o fenômeno geológico decorrente da atividade de mineração da Braskem foi resultado de uma sucessão de erros.

"Foi um erro fazer um tipo de mineração dessa dentro da área urbana sem uma rede de monitoramento mais eficaz. Foi um erro gritante das autoridades competentes", afirma.

Quatro minas estão sendo preenchidas pela Braskem e há indicação para estabilização de outras cinco. Segundo a Defesa Civil, houve uma desaceleração na movimentação geológica, mas parte das cavidades ainda apresentam um movimento ascendente, o que pode gerar novos afundamentos.

Os bairros atingidos foram esvaziados, após os primeiros tremores e, aos poucos, foram ganhando ares de cidade fantasma.

Morador do bairro Bebedouro, um dos atingidos pelos afundamentos, o servidor público Maurício Sarmento, 45, viu a maioria dos vizinhos deixarem suas casas —ele permanece no mesmo imóvel onde mora desde criança.

"Era um bairro onde todo mundo se conhecia. Tinha a venda de seu Alonso, tinha o restaurante do Rogildo, tinha até o time de futebol Tobias Barreto, que levava o nome de nossa rua. A gente perdeu tudo isso", lamenta Maurício, que é membro do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem.

Um acordo firmado em janeiro de 2020 entre a empresa e a força-tarefa formada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual e Defensorias Estadual e da União determinou a indenização dos proprietários de 14,5 mil residências.

O Movimento Unificado das Vítimas da Braskem alega falta de celeridade nos pagamentos e diz que, em muitos casos, o valor da indenização não foi justo e que houve uma desvalorização dos imóveis.

A Braskem, por sua vez, informou que cerca de 99% dos moradores das áreas de desocupação definidas pela Defesa Civil já foram realocados. E diz, até o fim de janeiro, 16.005 indenizações foram pagas aos moradores, o que equivale a 83% do total acordado.

Além dos moradores dos cinco bairros atingidos, pessoas que vivem em bairros do entorno também foram afetadas com dificuldade de acesso a serviços públicos e êxodo de comerciantes. Vários deles deixaram seus imóveis, mas não conseguem vendê-los diante da desvalorização.

Nos cálculos do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, são cerca de 4.000 famílias vivendo em áreas do entorno dos cinco bairros atingidos, com destaque para a região do Flexal.

"Não existe mais um convívio saudável das pessoas nessas áreas. Elas ficaram ilhadas social e economicamente. Não há mais escolas, igrejas e postos de saúde, a mobilidade urbana foi afetada", afirma Maurício Sarmento, do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem.

Em outubro do ano passado, MPF e Braskem assinaram um acordo específico para a região do Flexal para reverter o isolamento socioeconômico dos moradores com a construção de uma nova escola, posto de saúde, melhorias viárias e indenização das famílias.

A Prefeitura de Maceió negocia com a mineradora um acordo de compensação dos danos causados pela atividade de mineração e diz não descartar uma ação judicial.

Eventuais recursos arrecadados com uma compensação serão destinados ao caixa da prefeitura, que poderá utilizá-los para melhorar as condições das localidades atingidas e de outras áreas do município.

O acordo com o Ministério Público Federal prevê que a Braskem atue na estabilização e monitoramento do fenômeno geológico, repare danos ambientais decorrentes da mineração e faça a compensação dos danos sociais, morais e urbanísticos.

Até o momento, foi definido um valor de R$ 1,28 bilhão para as medidas de reparação sociais e urbanísticas.

Em nota, a Braskem diz que adotou medidas para garantir a segurança das pessoas, buscar a soluções para os efeitos do fenômeno geológico e para pensar o futuro das áreas desocupadas e entorno.

Na frente ambiental, a mineradora informou que contratou uma empresa especializada que sugeriu um plano de ação entregue às autoridades após cumprir as fases de diagnóstico e escuta da comunidade.

Sobre a estabilização e monitoramento do solo, a Braskem diz que instalou sismógrafos e equipamentos de alta precisão para detectar movimentações de terreno na região. Por fim, destacou, está executando obras estruturantes em Maceió com investimento previsto de R$ 360 milhões.

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