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Morte trágica de irmão jornalista impulsiona Tania Lopes a defender mulheres vulneráveis

Trabalho de mais de 20 anos da funcionária pública com vítimas de violência se tornou referência na região dos Lagos, no Rio

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São Paulo

A morte violenta do irmão jornalista Tim Lopes, em 2002, acabou se transformando em potência para que Tania Lopes se envolvesse ainda mais na defesa de mulheres vulneráveis. Ao longo dos 33 anos em que trabalhou como funcionária pública federal, ela ajudou a construir políticas públicas para pessoas desse gênero.

Aposentada desde 2019, ela atua hoje, aos 67 anos, como superintendente dos Direitos da Mulher de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Mas seu dia a dia segue agitado no Ceam (Centro Especializado de Atendimento à Mulher), órgão ligado à prefeitura da cidade.

Constantemente, ela e sua equipe, composta de assistentes sociais, psicólogas e advogadas, deparam-se com situações de violência, como cárcere privado e estupro de vulnerável.

Mulher de cabelo curto, avermelhado, segura microfone ao lado de cartaz, onde está escrito 'mulheres na política'
Tania Lopes atua como superintendente dos direitos da mulher de Cabo Frio (RJ); ela é irmã do jornalista Tim Lopes, brutalmente assassinado em 2002 - Arquivo pessoal

As denúncias chegam, entre outros meios, pelo WhatsApp (22) 99808-2557, número estampado desde novembro do ano passado na traseira dos ônibus que circulam pela cidade, um pedido de Tania à empresa responsável pelos coletivos da região dos Lagos.

"Falei [à empresa de transporte público] que esse era meu sonho dourado, ver os nossos serviços sendo amplamente divulgados em ônibus, onde há grande circulação de pessoas. Porque meu papel é articular políticas públicas e estimular a rede de atendimento a quem precisa."

Por muito tempo, o foco de Tania foram as áreas rurais de Cabo Frio e das cidades da região dos Lagos, onde há quilombos (espaços de resistência, segundo ela) e bairros violentos.

Mas ela despertou para a violência urbana em especial após o assassinato do irmão Tim Lopes, em 2002, ano em que ela voltou a morar no Rio de Janeiro. Quando desapareceu, o jornalista trabalhava numa reportagem sobre a exploração sexual de menores em baile funk de uma favela da cidade.

"O Tim tinha uma consciência social enorme. Ele deu voz e visibilidade a quem não tinha voz por causa da opressão que sofria. Ele próprio era uma voz necessária", afirma ela, que passou a ser a representante da família para levar o nome do irmão adiante ou receber prêmios póstumos do profissional.

"Meu irmão sabia desse meu trabalho com as mulheres. Nós sempre fomos os dois ativistas da família. Ele era muito dedicado ao trabalho. Tanto que uma vez disse à nossa mãe que se um dia ele morresse por causa da profissão, era para ela saber que ele morreu fazendo o que mais amava na vida", conta.

Esse trabalho de Tania engajado na defesa da dignidade feminina começou a ficar mais intenso no ano 2000, quando ela se inseriu no Mulheres de Cabo Frio, movimento nascido quatro anos antes. Ela se define como feminista desde essa época.

"Em 2004, fizemos uma comissão e fomos ao prefeito de Cabo Frio para solicitar uma política pública aqui na cidade de atendimento a mulheres vítimas de violência. E fomos ouvidas. Criou-se uma política que não acabou. O Ceam é fruto disso", afirma a gaúcha de Uruguaiana.

Tania afirma que uma vez por ano faz um balanço para a Prefeitura de Cabo Frio sobre os atendimentos do Ceam —que não se limitam às mulheres da cidade.

"Aqui atendemos todas elas, as trans, as lésbicas, todos os perfis. Não importa. São mulheres", afirma Tania sobre o local que recebe, em média, dez vítimas de algum abuso diariamente, com demandas variadas.

Ela explica que há questões diversas para a mulher voltar a seu agressor, como dependência financeira e emocional. "Quando ela consegue sair dessa situação, buscamos sua rede familiar para que ela seja acolhida."

Um tempo depois da morte de Tim Lopes, Tania voltou a morar em Cabo Frio e relembra uma situação em que o Ceam conseguiu ajudar uma mulher que vivia em cárcere privado.

Ela diz que um carro parou em frente à sede e a vítima desceu, enquanto o marido permaneceu na direção. A mulher foi pedir ajuda para liberar o dinheiro do programa Bolsa Família e portava documentos do marido, mas disse que só podia demorar um minuto. As agentes sociais, conta Tania, perceberam a tensão nela, que revelou as atrocidades que sofria em casa.

"Nós a levamos a uma sala por uma rota de fuga, fotografamos os documentos dele e endereço, e deixamos ela ir embora. Chamamos a polícia, que foi até ela e a resgatou, enquanto o marido fugiu. Nós a ajudamos a encontrar sua rede familiar e hoje ela vive bem com a mãe e outros parentes."

Esse atendimento especializado à mulher em Cabo Frio é um trabalho referência na região. "Nós sempre estimulamos cidades que ainda não têm esse movimento [de políticas públicas às mulheres] a se organizarem e que tenham um movimento próprio. Mas nós acolhemos mulheres de Arraial do Cabo, Búzios e São Pedro da Aldeia, por exemplo."

Em 8 de março, quando se celebra o Dia Internacional da Mulher, a cidade de Cabo Frio ganhou mais um lugar de apoio às mulheres, o Ceam Rosa da Farinha, em homenagem à antiga moradora quilombola e líder sindical da cidade Rosa Geralda da Silveira, a primeira mulher a trabalhar em feiras com homens nos anos 1960, segundo Tania.

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