Com R$ 35 bi em caixa, Prefeitura de SP deixa merenda escolar sem feijão

OUTRO LADO: Gestão Nunes diz que rescindiu contrato com fornecedora, que está contratando outra e que escolas têm dinheiro em caixa para compra

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São Paulo

Com um saldo de cerca de R$ 35 bilhões em caixa, a gestão Ricardo Nunes (MDB) não tem conseguido fornecer feijão para a merenda de estudantes de São Paulo.

Na cidade mais rica do país, as escolas têm recebido ervilha, lentilha e grão-de-bico —conforme orientação da própria prefeitura— em substituição a um dos itens mais comuns da refeição diária dos brasileiros.

A falta de feijão tem levado escola até mesmo a pedir contribuições aos pais dos alunos para comprar o alimento enquanto a prefeitura não garante o fornecimento.

Na ausência do feijão, escola municipal oferece lentilha para os alunos
Na ausência do feijão, escola municipal oferece lentilha para os alunos - Divulgação

A APM (Associação de Pais e Mestres) da EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) Professora Clycie Mendes Carneiro, no Jardim Ester Yolanda, zona oeste paulistana, pediu por meio de um bilhete, colado no caderno dos aluno, contribuição da comunidade. "Compraremos feijão para ofertar em algumas refeições, enquanto a entrega pela prefeitura não é regularizada", afirma o comunicado.

A SME (Secretaria Municipal de Educação) admitiu a falha na entrega de feijão às escolas em razão de problema com a empresa fornecedora, mas disse que não houve "qualquer perda nutricional aos estudantes".

A pasta afirmou, em nota, que contratará uma outra empresa, porém não informou o prazo para solução do problema. "Enquanto a contratação de nova empresa está em andamento, as unidades educacionais possuem recursos financeiros disponíveis e foram orientadas a realizar compra de feijão", afirmou a secretaria.

"Também houve orientação quanto às substituições por outras leguminosas, como ervilha, lentilha e grão-de-bico, que possuem composição nutricional equivalente", acrescentou a pasta.

Segundo os servidores e pais, os alimentos servidos em substituição ao feijão não são comuns ao paladar dos alunos, por isso, muitos têm deixado de fazer as refeições na escola.

O próprio PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) prevê que o cardápio da merenda deve respeitar os hábitos e cultura alimentar dos estudantes.

A Folha apurou que o problema de fornecimento começou há pelo menos dois meses, quando as escolas deixaram de receber feijão. A situação se agravou nas últimas semanas com o fim do estoque nas unidades.

"As escolas pararam de receber o feijão e começaram a racionar achando que a situação ia ser normalizada antes de chegar ao ponto de faltar. Foram diminuindo os dias que serviam feijão até que o estoque esgotou completamente agora", disse Marcia Simões, presidente do Conselho Municipal de Alimentação Escolar.

Pela lei, a Secretaria Municipal de Educação é responsável por garantir a oferta diária a todos os estudantes da rede municipal ao menos uma refeição completa, que deve ser composta de "arroz e feijão ou outra leguminosa (4 vezes na semana) e macarrão (1 vez na semana), legumes ou verduras (5 vezes na semana), carne bovina, de aves, peixe ou ovo (como fonte protéica) e sobremesa, predominantemente fruta."

"Não há nenhum problema em oferecer alimentos diferentes para os alunos. É, inclusive, desejável para que eles tenham hábitos alimentares melhores. O problema é que essa substituição está acontecendo por uma falha de fornecimento de um item básico da alimentação do brasileiro", afirmou Marcia.

Segundo ela, o problema é ainda mais grave em escolas com muitos alunos, em que as merendeiras não têm tempo ou condições de pensar em receitas e preparos diferentes para alimentos que não são tão comuns.

"Nas escolas pequenas, elas até conseguem preparar esses alimentos de forma mais atrativa, misturando com legumes ou macarrão. Mas, nas escolas grandes, não há tempo para isso e o preparo acaba sendo mais básico. Os alunos acabam não comendo e a comida vai para o lixo."

A dona de casa Adriana Carvalho, 47, afirmou que nas últimas semanas precisou mandar lanche para o filho já que ele não tem comido a merenda servida sem feijão. O menino de 13 anos é autista e tem seletividade alimentar.

"Ele come bem e saudável, mas precisa comer o que conhece. Ele nunca rejeitou arroz e feijão e sempre gostou da comida da escola. De umas semanas para cá, eu notei que ele estava chegando em casa com fome", disse Adriana.

O menino estuda na EMEF (ensino fundamental) João Gualberto Carvalho, na região de Santo Amaro, zona sul da capital, desde o primeiro ano do ensino fundamental. "Ele está agora no oitavo ano e nunca tinha tido problema com merenda, nunca tinha faltado alimento tão básico."

O cardápio da última semana na escola, enviado às famílias, mostra que por três dias seguidos foram servido aos alunos arroz e lentilha. Em um dos dias, a refeição tinha macarrão e, em outro, arroz e grão-de-bico.

Nesta quarta-feira (24), a deputada federal Tabata Amaral (PSB) ingressou com representação no Ministério Público e pede que sejam apuradas possíveis infrações cometidas pela prefeitura.

No documento, ela cita a Emei Professor Celso Ferreira da Silva, na Vila Missionária, vem servindo ervilha no lugar do feijão há mais de dois meses.

"É indignante que a Prefeitura de São Paulo não garanta refeição adequada para crianças de 4 a 5 anos, muitas delas em situação de vulnerabilidade social", afirma Tabata.

A deputada, que pretende concorrer à eleição municipal de 2024, também enviou ofício ao secretário de Educação, Fernando Padula, solicitando esclarecimentos.

A reportagem pediu informações à prefeitura sobre as três escolas citadas neste texto, e a SME respondeu apenas que na Emei Professora Clycie Mendes Carneiro o feijão voltou a ser servido.

A Folha também apurou que a diretora da escola Clycie Mendes Carneiro foi chamada para uma reunião na DRE (Direção Regional de Ensino) do Butantã, na zona oeste, e teve que explicar o fato de a Associação de Pais e Mestres ter pedido contribuição da comunidade escolar.

Após a publicação desta reportagem, a prefeitura afirmou que as três escolas citadas têm recursos superiores a R$ 700 mil, que poderiam ser usados na compra do feijão.

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