Veja onde provar tipos de arroz e de feijão de que poucos ouviram falar

Pesquisadores e chefs cultivam sementes que vão além das variedades mais comuns

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São Paulo

Houve um tempo em que o brasileiro podia escolher entre mais de dez tipos de arroz e algumas dezenas ou centenas de feijões. Eram produtos regionais, vendidos em mercados e feiras.

Foi por pouco que essa diversidade não se perdeu. Por obra de produtores que tomaram para si a tarefa de guardar sementes esquecidas, devagarinho esses grãos coloridos começam a chegar às cozinhas de São Paulo.

Pratos com grãos de arroz-preto, à dir.; feijão-paquinha, ao centro; e feijão-enxofre, à esq., preparados na Enoteca Saint Vin Saint, no bairro da Vila Nova Conceição
Pratos com grãos de arroz-preto, à dir.; feijão-paquinha, ao centro; e feijão-enxofre, à esq., preparados na Enoteca Saint Vin Saint, no bairro da Vila Nova Conceição - Adriano Vizoni/Folhapress

Chef da Enoteca Saint Vin Saint, no bairro paulistano da Vila Nova Conceição, Lis Cereja anda encantada com os feijões crioulos. "São oriundos de produções familiares, que a gente vai comprando de pouquinho em pouquinho e criando receitas para eles."

O feijão-paquinha, de tom marrom-avermelhado e tamanho miúdo, entra no baião de dois com o exótico arroz-preto, mais legumes, queijo, ovo e salada (R$ 58). Triturado, vira hommus com tomates verdes em conserva e crocante de arroz -jasmim (R$ 39).

A compra pingada se deve à pouca quantidade. Quem fornece os feijões para a Enoteca é a Queijaria Santo Antônio, em Passa Quatro (MG), cujo proprietário, Joãozinho Laura, é queijeiro e agricultor.

Em parceria com o chef Rafa Bocaina, pesquisador dos saberes tradicionais do interior paulista, Joãozinho percorreu sítios e chácaras em busca de quem ainda plantasse feijões diferentes dos comerciais. Encontrou sete variedades.

"A narrativa era sempre a mesma: os produtores cultivam para consumo próprio porque ninguém se interessa em comprá-los", afirma.

Os mais produtivos foram multiplicados —os feijões enxofre, paquinha e manteiga— e entraram no menu do restaurante Casa do Monjolo, que eles mantêm em Passa Quatro.

"O paquinha tem sabor acastanhado e, por não render caldo grosso, é bom para farofas, tropeiro e saladas. Já o manteiga é rosa bebê e dá um caldo espetacular, amanteigado", diz Rafa. O feijão-enxofre, na opinião de Joãozinho, é o mais intrigante. "Sinto um adocicado herbal muito curioso."

Outra variedade salva do esquecimento, o feijão-roxinho é a estrela do baião de dois vegano (R$ 79) que a chef Priscilla Herrera prepara no restaurante paulistano Banana Verde. "O mais legal é a cor, que não se perde mesmo depois que os grãos ficam de molho."

Movimento parecido acontece entre produtores de arroz. Fundador da Arroz de Altitude, José Ricardo Monteiro garimpa grãos em diversas regiões e os distribui em pequenos empórios e restaurantes.

Fazem parte do portfólio da marca o arroz-preto —aquele usado pela Enoteca— e o pérola, cujos grãos de formato arredondado rendem risotos cremosos que cozinham bem mais rápido do que o arbóreo.

"Os agricultores têm a terra e entendem do plantio, mas não sabem apresentar os grãos. É aí que eu entro", diz Monteiro.

Embora as variedades de arroz não cheguem perto da diversidade dos feijões, há muito a conhecer. Em Canas (SP), a Alto do Marins tem entre os sócios o engenheiro agrônomo Omar Villela, que mantém um campo alagado onde desenvolve cerca de 30 tipos.

Uma de suas descobertas é o basmati-vermelho, que perfuma a casa enquanto ferve na panela. Uma enchente quase provocou a sua extinção, mas a empresa recuperou algumas sementes. "Pretendo plantá-lo em agosto e colher até dezembro", afirma Francisco Neto, sócio de Omar.

A chef Mara Salles, do Tordesilhas, espera ansiosamente pela safra. "Tem um aroma acastanhado incrível, escandaloso de tão diferente."

Segundo Alcido Wander, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, foi nos anos 1970 que a diversidade começou a sumir. "A escala mudou com o beneficiamento industrial, pois era preciso abastecer a população urbana crescente."

Hoje, cerca de 90% do arroz produzido no Brasil é do tipo agulhinha. "A concentração é conveniente à indústria. Para beneficiar diversos tipos, é preciso mudar constantemente a regulagem de máquinas", explica Wander.

Não foi diferente com o feijão. O carioca, de grãos claros rajados, foi identificado no fim dos anos 1950 e já responde por 60% da produção nacional. "O país dependia da importação de grãos e houve um esforço dos governos federal e estadual para popularizar o carioca", diz Wander.

Aos poucos, o consumidor foi deixando de consumir outros tipos e os produtores, desistindo de plantar. Gigante do setor, a Camil mantém há cerca de uma década a Linha Cores, com feijões como jalo e rosinha, mas só no estado de São Paulo. Segundo a gerente de marketing, Ivy Oliveira, faltam fornecedores capazes de entregar grandes volumes.

Algumas dessas sementes são nativas ou foram incorporadas a tradições alimentares locais —outras, ainda, têm sua origem ainda por mapear.

Recuperar a diversidade do passado, apontam especialistas, depende de um match entre mercado, incluindo chefs de cozinha, e agricultores. É possível recorrer à Embrapa Arroz e Feijão, que mantém uma câmara fria com mais de 15 mil tipos de sementes.

Aos 20 anos, Eduardo Damas, estudante de agronomia de Sanclerlândia (GO) multiplica sementes e as vende por redes sociais (@edudamas337) para todo o país. Entre os mais de cem tipos de feijão, a sensação do momento é o azul. "Descobri no Paraná e estou multiplicando. Quero ter para entregar até o fim do ano", ele conta.

ONDE PROVAR

Banana Verde
R. Harmonia, 278, Vila Madalena, zona oeste, São Paulo/SP. Instagram: @restbananaverde

Casa do Monjolo
Fazenda Velha, s/n, Passa Quatro, MG. Instagram: @casadomonjolo

Enoteca Saint Vin Saint
R. Prof. Atílio Innocenti, 811, Vila Nova Conceição, zona sul, SP. Instagram: @enotecasaintvinsaint

ONDE COMPRAR

Arroz de Altitude
arrozdealtitude.com

Alto do Marins
altodomarins.com.br

Eduardo Damas
Instagram @edudamas337

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