Descrição de chapéu Folhajus TSE

Dias Toffoli vota contra tese da legítima defesa da honra; STF suspende julgamento

Argumento é usado para absolver acusados de feminicídio; Corte analisa se tese pode ser usada em tribunais do júri

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou nesta quinta-feira (29) o julgamento da validade da tese da legítima defesa da honra, argumento usado para absolver acusados de feminicídio na Justiça durante julgamentos em tribunais de júri.

A análise começou a ser feita pelo voto do ministro relator do caso, Dias Toffoli. Ele afirmou que a tese é inconstitucional por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

Ele já havia decidido anular qualquer julgamento em que fosse levantado o argumento, a que chamou de "esdrúxulo", em 2021. Em seguida, o STF manteve os efeitos da decisão liminar (provisória) do ministro. O Supremo analisa desta vez o mérito da ação.

O ministro Dias Toffoli, do STF - Rosinei Coutinho - 19.dez.2022/STF

No voto desta quinta, Toffoli defendeu que a acusação, a autoridade policial e o juízo sejam impedidos de utilizar a tese, direta ou indiretamente, ou qualquer argumento que induza a ela nas fases pré processual ou processual penais.

Também ficaria vetado o uso da tese em julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

O ministro argumentou que a ideia "remonta a uma concepção rigidamente hierarquizada de família, na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação".

"Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do 'chefe de família', que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra. Trata-se, assim, de uma percepção instrumental e desumanizadora do indivíduo", disse.

Ele também disse que, caso a defesa lance mão da tese, estará caracterizada a nulidade da prova, do ato processual ou até mesmo dos debates por ocasião da sessão do júri.

A legítima defesa da honra era utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher para justificar o comportamento do acusado. O argumento era de que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis quando a vítima tivesse cometido adultério, pois essa conduta supostamente feriria a honra do agressor.'

Após o voto de Toffoli, o julgamento foi interrompido e deverá retornar nesta sexta-feira (30). Antes disso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, leu seu parecer também afirmando que a tese é inconstitucional e que não está abarcada pelo instituto da legítima defesa, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade humana.

A ação foi movida pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), que sustentou que há decisões de tribunais de Justiça que ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri em que se absolvem réus processados pela prática de feminicídio com fundamento na tese.

As absolvições com base na legítima defesa da honra voltaram a ser frequentes depois de 2008, quando o Congresso alterou diversos procedimentos do Tribunal do Júri.

A nova lei tornou o modelo de julgamento mais célere e extinguiu, por exemplo, a reanálise automática do caso quando a condenação ultrapassar os 20 anos de prisão. A norma também previu, no entanto, a possibilidade de absolvição baseada em "quesito genérico".

Uma ala do Supremo, então, passou a entender que, se o jurado tem a opção de absolver o réu genericamente, a lei consagrou ao jurado o poder de julgar inclusive contra as provas e com base no sentimento de clemência e compaixão.

Com base nessa interpretação, o STF chegou a dar decisões para impedir a realização de novo Tribunal do Júri, mesmo nos casos em que houve declaração de inocência com base na legítima defesa da honra.

Em outubro de 2020, por exemplo, a 1ª Turma derrubou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de determinar a realização de um novo júri contra um homem que, no primeiro julgamento, tinha sido absolvido da acusação de tentar matar a esposa com golpes de faca por imaginar ter sido traído.

A maioria do c olegiado defendeu que a previsão de resposta positiva ao quesito genérico (o jurado absolve o acusado?) sem necessidade de apresentar motivação autoriza os jurados a tomar uma decisão contrária às provas dos autos.

Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes ficou vencido e advertiu para o impacto que o entendimento poderia ter em relação aos episódios de feminicídio.

Ao votar no julgamento em curso no STF, Moraes voltou a criticar o machismo na sociedade e disse que, apesar de avanços institucionais, ainda se verifica "a subsistência de um discurso e uma prática que tentam reduzir a mulher na sociedade e naturalizar preconceitos de gênero existentes".

O julgamento de Raul Fernando Doca Street, que assassinou Ângela Diniz em 1976 e, inicialmente, recebeu dois anos de prisão —que ele pôde cumprir em liberdade por ser réu primário— é usado como exemplo de necessidade de se haver recurso contra decisão do Tribunal do Júri.

Na ocasião, o advogado Evandro Lins e Silva afirmou que seu cliente tinha agido em legítima defesa da honra e argumentou que Ângela Diniz teria demonstrado comportamentos inadequados que teriam ferido a honra de Doca.

O resultado do julgamento, porém, mobilizou o movimento feminista e fez surgir o slogan "Quem ama não mata". A pressão das mulheres ativistas mudou o cenário e, no segundo Tribunal do Júri, o assassino foi considerado culpado e recebeu pena de 15 anos.

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