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Quilombolas em Alagoas sofrem com casos de ansiedade e depressão

Segundo moradores, comunidades Jacu e Mocó têm histórico de problemas com saúde mental e já registraram suicídios; Prefeitura de Poço das Trincheiras e governo de Alagoas não responderam à reportagem

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Vista aérea do Quilombo Jacu, em Poço das Trincheiras, Alagoas Adriano Vizoni - 13.abr.23/Folhapress

Poço das Trincheiras (AL)

Saindo do centro da cidade de Poço das Trincheiras, são necessários cerca de cinquenta minutos de carro em uma estrada de terra, cheia de buracos, para chegar às comunidades Jacu e Mocó, zona rural do município do interior de Alagoas.

Os quilombos ficam em uma área alta, o que permite ter uma visão panorâmica da região. Ao redor, árvores e montanhas. Poucas casas espaçadas podem ser observadas. As ruas também são de terra batida. Moradias de alvenaria estão sendo construídas, mas uma boa parte delas ainda é feita de barro.

Neste cenário de um certo isolamento e de pouco acesso a políticas públicas é que cresceu uma situação difícil de detectar mesmo em cidades com mais infraestrutura: problemas relacionados a saúde mental.

Neusa da Conseição Ribeiro, moradora do quilombo Jacu e Mocó. Ela faz tratamento contra ansiedade - Adriano Vizoni - 23.abr.23/Folhapress

Os casos incluem relatos de ansiedade, depressão e esquizofrenia e começaram há pelo menos uma década. Entretanto, os quilombolas só conseguiram atendimento médico especializado há dois anos. Mesmo assim, o psiquiatra só visita a comunidade uma vez por mês.

"Ansiedade e problema de nervoso. Eu não dormia de noite. Pensava tanta coisa. Pensava nos meus irmãos. Minha mãe morreu", conta Neusa da Conceição Ribeiro, 38.

Há dois anos ela faz tratamento, com remédios. A quilombola não sabe opinar sobre o motivo pelo qual o problema tem afetado a comunidade.

"Aqui tem bastante gente tomando remédio. Meu pai toma. Ele tem depressão. Eu tenho um menino de 14 anos que está tomando remédio também. Ele tem problemas de nervo, de ansiedade. Toma três tipos de remédio".

Neusa diz que antes do atendimento na própria comunidade, os quilombolas precisavam ir até a região central de Poço das Trincheiras para conseguir uma consulta com um psiquiatra —isso quando conseguiam um horário.

A comunidade é pequena e abriga cerca 150 famílias, considerando os dois povoados Jacu e Mocó. Ao todo, ao menos 20 pessoas têm diagnóstico de ansiedade ou depressão e estão recebendo medicamento para tratamento.

Além disso, a associação de moradores calcula que mais de 300 pessoas tomaram remédio e pararam ou relataram sofrer com sintomas similares nos últimos meses.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Poço das Trincheiras e com o governo de Alagoas, mas nenhum deles respondeu até a publicação deste texto.

A luta para conseguir médicos para o posto de saúde próximo a Jacu e Mocó partiu da líder do quilombo e estudante de direito Aline dos Santos Ferreira, 25.

"Eu fiquei bastante preocupada porque já vinha há muito tempo o pessoal com depressão, ansiedade, esses problemas mentais. Isso não é de agora", afirma.

"Há uns quatro anos, se agravou. Mas a gente sempre teve na comunidade. Eu até me assustei e levei o caso para secretária de saúde. Eu estou bastante preocupada porque são muitos casos. Existem casas em que das cincos pessoas, quatro estão dormindo na base de remédio", diz.

"Temos pessoas pensando em suicídio. Já tivemos suicídio aqui. Jovens volta e meia falam que querem morrer", diz. "Mas eu vejo Jacu com mais problemas [de saúde mental] do que outras comunidades quilombolas".

Aline defende que é necessário dar atenção aos quilombolas, com programas que possam atender as especificidades dessas comunidades, como por exemplo, levar em conta as localizações mais afastadas nas quais estão algumas delas, o que dificulta o acesso as políticas públicas como saúde e transporte.

Ela atribui ao preconceito sofrido pelos quilombolas uma boa parcela da culpa pelos problemas de saúde mental que ocorrem na comunidade. "A gente sofre muito preconceito, muito racismo e muitos jovens não são preparados para isso".

Segundo Alessandro de Oliveira dos Santos, professor livre-docente do Instituto de Psicologia da USP, avaliar os efeitos nocivos que o racismo pode ter em comunidades quilombolas ou pessoas negras de forma geral é complexo e demandaria incluir outras ciências para uma análise completa sobre as várias camadas que envolvem o tema.

"Como meu ponto de vista é o da psicologia, focalizo mais o comportamento da pessoa, as relações que estabelece com outras pessoas e os efeitos que isso produz sobre ela", diz.

Apesar disso, ele elabora alguns dos possíveis impactos que as pessoas negras podem ter ao lidar cotidianamente com o preconceito.

"Imagine o desgaste emocional de se manter em estado de alerta constante em toda vez que você está dirigindo e se depara com uma blitz policial ou diante de algumas outras situações no dia a dia que tem a ver com acesso e forma de tratamento", diz.

"Uma pessoa de cor de pele branca, não tem este desgaste emocional e não precisa ficar sob um alerta constante de: 'será que agora nessa situação eu vou sofrer preconceito, agora vou ser discriminado por conta de estereótipos negativos?'. Esse é o efeito psicológico", analisa.

Para ele, as pessoas que são alvo de preconceito e discriminação étnico-racial estão com o comportamento mais sob controle por medo de serem discriminadas a qualquer momento.

Isso faz com que elas tenham que despender uma energia emocional muito maior que tem repercussão no físico. "Aumenta a pressão arterial, aumenta a sudorese no corpo".

Além disso, esse estresse pode elevar a frequência cardíaca e produzir impactos no sistema imunológico. Os prejuízos à saúde vão de distúrbios gastrointestinais a sintomas esquizofrênicos.

De acordo com Alessandro, se uma pessoa negra quilombola sente que vai ser maltratada no serviço público, antes de procurar o serviço ela primeiro vai tentar outras formas de lidar com a questão, como ervas e chás, conselhos de vizinhos e amigos que tiveram o mesmo problema, rezadeiras, benzedeiras.

"Na medida em que no serviço de saúde o quilombola sente-se discriminado, procurar aquele serviço vai ser uma de suas últimas opções para lidar com o agravo em saúde que o acometeu".


ONDE PROCURAR AJUDA

Pessoas que atravessam algum tipo de sofrimento emocional podem ligar para 188, telefone do Centro de Valorização da Vida, disponível 24 horas por dia por telefone.

O serviço também atende por chat, nos seguintes horários: domingos, das 17h à 1h de segunda; de segunda a quinta, das 9h à 1h; sextas, das 15h às 23h e sábados, das 16h à 1h de domingo.

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford

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