Descrição de chapéu
violência

Para não repetir erros do passado, União deve assumir protagonismo na segurança

Parece óbvio que estados e municípios não são capazes de responder sozinhos a todas as demandas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Samira Bueno

É diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutora em Administração Pública e Governo pela EAESP-FGV

David Marques

É coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutor em sociologia pela UFSCar

Renato Sérgio de Lima

É diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutor em sociologia pela USP

A divulgação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou, mais uma vez, o cenário catastrófico de crime e violência que assola o país. Apesar da redução de 2,4% nas mortes violentas intencionais no ano passado, a piora de todos os indicadores de violência doméstica, o recorde de registros de estupros, o crescimento exponencial dos estelionatos e a quantidade de armamento perdido por aí impossibilitam qualquer comemoração. Os dados indicam que o Brasil ficou mais inseguro para a população negra, principal vítima de todas as violências, assim como para milhões de mulheres, crianças e pessoas LGBTQIA+.

A dimensão dos números divulgados indica que, sem o protagonismo da União, dificilmente o país será capaz de fazer frente a este enorme desafio. Na gestão passada, embora Bolsonaro tenha usado as polícias como palanque de seus discursos, isso não se traduziu em mais recursos para as políticas de segurança pública. Nos anos de sua gestão, os gastos com a área ficaram praticamente estagnados, com variação de 1,6%. Este fato é bastante curioso, dado que Bolsonaro herdou um país com homicídios em queda e mais dinheiro no cofre, resultado da aprovação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e da mudança da lei do Fundo Nacional de Segurança Pública em 2018. Foram os estados e municípios que, mais uma vez, impulsionaram os gastos na área, ainda que duramente afetados pela pandemia.

Policiais fazem ronda na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro - Tércio Teixeira - 26.jan.2022/Folhapress

Neste sentido, é de se comemorar que o ministro da Justiça, Flavio Dino, afirme no discurso de lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS) que vai tirar o SUSP do papel. Não há como reverter o cenário de insegurança de um país federativo sem o protagonismo da União na matéria. Assim, a assinatura do novo decreto sobre controle de armas, que, entre outras medidas, reduz a quantidade de armas e munições acessíveis para civis e CACs, deve ser vista como positiva, assim como a transferência de responsabilidade de sua gestão para a Polícia Federal, que, esperamos, venha juntamente com a garantia de recursos adequados para ações de controle e fiscalização. A implementação do Pronasci 2 também é salutar, já que focaliza ações nos 163 municípios que concentram 50% da violência letal do país, com estratégias claras de prevenção com outras pastas e a parceria dos municípios.

Contudo, é importante uma vez mais frisar: o governo federal pode e deve assumir protagonismo na política de segurança. E não apenas para pedir aumento de pena. O objetivo deveria ser mais próximo do que o governo tem se proposto a fazer para combater o crime organizado na Amazônia. Articulando ações de órgãos federais e estaduais, diferentes poderes, órgãos ambientais e redefinindo a responsabilidade das Forças Armadas na questão.

Neste sentido, a valorização dos profissionais de segurança pública não pode ser garantida apenas com aumento salarial, embora esta seja uma medida importante. Precisamos falar de reestruturação das carreiras de segurança pública, dos critérios de entrada e mecanismos de progressão, de previdência, de programas de atenção biopsicossocial para os profissionais, e de formação continuada para os problemas que as polícias precisam enfrentar diariamente.

E sim, presidente Lula, o número de estupros é ao menos esse. Segundo um estudo recente, divulgado pelo Ipea, apenas 8,5% dos casos são notificados às autoridades policiais. Isso significa que os 74 mil registros podem ser, em realidade, mais de 880 mil. E, sim, é estarrecedor. A fonte dos dados são os registros policiais estaduais coletados e sistematizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que, há 17 anos, supre a lacuna governamental de dados nacionais na área.

Os desafios da segurança são diversos e complexos, e o crime não respeita limites estaduais ou fronteiras. A esta altura parece óbvio que estados e municípios não são capazes de responder sozinhos a todas as demandas. A União precisa assumir sua responsabilidade de uma vez por todas, sob risco de colocar nossas parcas conquistas em risco. Oxalá as medidas recém-anunciadas sejam o início de um ciclo virtuoso do governo federal na segurança pública.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.