Mortes violentas no Brasil atingem menor número em 12 anos

Foram 47,5 mil vidas perdidas em 2022; taxa tem caído desde 2018, mas ritmo de queda diminuiu

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São Paulo

As mortes violentas no Brasil chegaram ao patamar mais baixo em 12 anos, mostram dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados nesta quinta-feira (20).

A queda desacelerou entre 2021 e 2022, mas mantém uma tendência verificada desde 2018. Foram 47.508 vidas perdidas no conjunto que reúne os crimes de homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção policial. Entre 2020 e 2021, por exemplo, os números caíram 4%. Agora, a redução foi de 1,9%.

A taxa proporcional de mortes a cada 100 mil habitantes no Brasil diminuiu de 24 para 23,4.

O Brasil, com 2,7% da população global, concentra cerca de um quinto dos homicídios no mundo, segundo dados de 2020 do Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas.

pessoas protestam exibindo palmas das mãos pintadas de branco
Moradores de conjunto em Maricá, no Rio de Janeiro, protestam contra morte de criança de 11 anos - Eduardo Anizelli - 12.jul.23/Folhapress

A taxa de homicídios dolosos —indicador que concentra a maior parte das mortes violentas intencionais— ficou em 19,5, com queda de 2,2% entre 2021 e 2022. No 16ª anuário, o Brasil era o oitavo país com mais mortes violentas por 100 mil habitantes do mundo. A edição atual não tem dados atualizados e cita que o país ainda não incluiu informações sobre 2021 e 2022 no banco da ONU.

Já as mortes por intervenção de agentes policiais chegaram a 6.430, com redução de 1,4%. A Amazônia Legal, que havia registrado aumento em homicídios na edição anterior da publicação, concentrou, no ano passado, uma em cada cinco mortes violentas intencionais.

As informações são colhidas nas secretarias de Segurança Pública e órgãos correlatos nos estados. Para os cálculos de população, são usadas estimativas e o número indicado em 2022 pela edição mais atualizada do Censo Demográfico.

O estado mais violento do país é o Amapá, com uma taxa de 50,6 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes, mais que o dobro da nacional, de 23,4 mortes.

A região Norte, no entanto, apresentou redução de 2,7% no indicador. Ela fica atrás do Nordeste, que viu as mortes violentas caírem 4,5% em um ano. O Sudeste teve queda de 2%, com São Paulo mantendo a menor taxa do país: 8,4 mortes a cada 100 mil habitantes. Sul e Centro-Oeste tiveram, respectivamente, aumentos de 3,4% e 0,8% nas mortes.

Entre os crimes que compõem o indicador de mortes violentas intencionais, o único que registrou aumento no país foi o de lesão corporal seguida de morte, que passou de 517 casos em 2021 a 610 no ano passado.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que organiza o anuário, a explicação para a queda de mortes violentas no Brasil encontra alguns paralelos fora do país, como o envelhecimento da população, mas a análise se divide em várias hipóteses para a redução.

Um dos principais questionamentos é sobre a ampliação do acesso a armas no governo Jair Bolsonaro (PL), que creditou a queda de homicídios ao aumento do armamento e a repasses de recursos a estados por meio do Ministério da Justiça.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, afasta a tese e diz que não há, no Brasil, uma política nacional de segurança pública.

"Bolsonaro fazia defesa de ilicitude, de a ‘polícia ir para cima’, do ‘bandido bom é bandido morto’, mas não fez nada em termos concretos de política pública. Atrasou o desenvolvimento do Sistema Único de Segurança Pública e do Plano Nacional de Segurança Pública, além de represar repasses."

Para ele, se as mensagens de Bolsonaro tivessem ganhado tração como política nacional, os homicídios teriam aumentado. O Fórum tem defendido que a flexibilização de armas, inclusive, impediu uma queda maior dos assassinatos no país. Em 2022, três em cada quatro assassinatos no país foram cometidos com arma de fogo.

Governos, segundo Lima, não podem pensar somente em financiamento e estrutura e gestão da atividade policial.

"Gestão de segurança pública é articulação. Ao longo dos anos, muito dinheiro foi investido. O [presidente Michel] Temer direcionou recursos da loteria federal, cerca de R$ 2,5 bilhões ao ano. Bolsonaro tirou dinheiro da segurança do Orçamento e manteve apenas com a loteria e o Fundo Nacional de Segurança Pública."

Essa articulação pode ter dado resultado para a redução com programas locais, que estão em regiões que apresentaram reduções. "Iniciativas como o Pacto Pela Vida, de Pernambuco, o Paraíba Seguro e o Ceará Pacífico, mostram que o Nordeste teve programas de política de segurança pública não concentrados na atividade policial."

Para Lima, a decisão e a coordenação da política pública devem ficar na estrutura dos governos eleitos, como as secretarias de Segurança Pública. Outro papel é mediar conflitos e interesses das organizações policiais.

Esse é um dos pontos que ele projeta como a principal ação necessária durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Não adianta só dar dinheiro a estados e municípios sem uma coordenação, um rearranjo federativo", afirmou Lima.

Ele considera que os dados evidenciam a necessidade desse novo arranjo. "Quando olhamos chamados do 190, vemos que, basicamente, as Polícias Militares estão sendo despachadas para casos de violência contra mulher. Precisam estar preparadas para isso."

Lima aponta que o governo Lula apoiou o projeto da bancada da bala que limita o número de mulheres na Polícia Militar.

Parte dos esforços políticos também deverão se concentrar nas 9.479 ocorrências de mortes em 2022 que ainda precisam ser esclarecidas.

"Boa parte dessas mortes pode ser de homicídios, mas é importante ter secretarias analisando questões para além das corporações, que fazem perícia, investigação e análise jurídica."

Outra hipótese para a redução de mortes é a migração do crime. Os números de roubos de cargas, em casas e em estabelecimentos comerciais caíram, enquanto 208 golpes de estelionato foram aplicados a cada hora no país em 2022. O total chegou a 1,8 milhão de casos. Isso indica, segundo Lima, que quadrilhas estão preferindo modalidades com menos riscos e mais ganhos.

"As facções fazem fortuna com um único celular. Antes, roubavam um caminhão de carga para ganhar R$ 50 mil. Com o telefone, você invade e pode pegar mais, e sem violência. A pena é menor." A pandemia, diz ele, acelerou essa migração.

Uma das razões que também pode contribuir para a redução de mortes é a dinâmica do crime organizado. A Amazônia se tornou um campo de disputa, com aumento da violência nos últimos anos em regiões como Norte e Nordeste. Isso porque facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) buscam expandir seus ciclos de domínio de produção e escoamento de drogas, com um rompimento agravado entre 2016 e 2017 e consequência nas mortes.

"É um cenário para facções de crime organizado, principalmente as de base prisional, mas também milícias, grupos de extermínio e por diante. Com o PCC dominando a principal rota de cocaína, o CV foi encontrar em Tabatinga [AM], em parceria com a Família do Norte, a segunda principal rota do país."

Com as respostas dos estados do Nordeste apresentando reduções nas mortes violentas, o foco se volta para a Amazônia como principal região em disputa no país.

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