Escolas públicas têm banheiros reformados por ONG para combater pobreza menstrual

Renovação visa dar mais segurança e conforto a alunas e alunos em colégios na Bahia e no Piauí

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Uma nova medida para tentar dar mais conforto e segurança a meninas, além de combater a pobreza menstrual, está sendo adotada em escolas públicas do Nordeste: a reforma de banheiros degradados.

O projeto é liderado pela ONG Plan International, que trabalha com direitos de meninas, e já foi adotado em colégios da Bahia e do Piauí. Desde 2021, foram revitalizados 34 banheiros, impactando cerca de 7.300 estudantes. A ONG não divulgou o valor investido.

A pobreza menstrual abrange não só a falta de absorventes, mas também de locais para o autocuidado. No Brasil, cerca de 321 mil meninas frequentam escolas públicas com banheiros sem condições de uso, de acordo com pesquisa da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da Unfpa (Fundo de População das Nações Unidas), divulgada em 2021.

Aluna usa um dos banheiros reformados em escola municipal de Salvador
Aluna usa um dos banheiros reformados em escola municipal de Salvador (BA) - Aislane Silva/Divulgação

A precariedade faz com que elas se sintam inibidas de ir às aulas nos dias de menstruação, de acordo com especialistas. Outro efeito é sobre a saúde ginecológica, segundo Ana Gabriela Travassos, professora de ginecologia, sexualidade e DST na Universidade do Estado da Bahia.

Ela diz que um espaço não higienizado, sem água ou sabonete, pode provocar infecções. Banheiros sem portas, trincos e insumos como papel higiênico também afetam as meninas.

"Quando não é possível ter privacidade para que a aluna possa se limpar ou fazer uma troca de absorvente, ela se sente exposta", afirma.

A revitalização faz parte do projeto Escola de Liderança para Meninas, da Plan, que ensina empoderamento feminino para jovens entre 13 e 19 anos e tem uma das frentes em saúde e higiene menstrual.

No entanto, a falta de estrutura nas escolas e de acesso a absorventes dificultava a atuação da ONG nesse campo, segundo a diretora-executiva da ONG, Cynthia Betti.

"Como a gente pode falar sobre higiene e saúde pessoal se as meninas não têm nem um banheiro com água na torneira, tranca na porta e o mínimo de condição, de dignidade?", afirma.

Katia Cilene Soares Ferreira, diretora de uma das escolas beneficiadas na zona rural de Teresina (PI), confirma o que diz Betti. Na escola, os sanitários eram pouco estruturados e as alunas não se sentiam à vontade. Além de ter uma das portas quebradas, também faltavam trincos.

A situação afetava a privacidade delas, já que qualquer pessoa poderia entrar no local mais facilmente por estar destrancado.

As coisas mudaram depois da renovação do banheiro. Além de se sentirem mais seguras, as alunas passaram a ter um local apropriado para se cuidar durante a menstruação.

"O projeto ajuda também na autoestima, oferecendo às meninas um ambiente mais agradável, já que o banheiro é um espaço escolar de grande importância", declara a diretora.

Cynthia Betti diz que a iniciativa visa respeitar as necessidades dos alunos e, por isso, as obras atenderam a pedidos deles por espelhos e paredes coloridas. "Parece que é uma coisa de infraestrutura, mas é muito mais do que isso, porque eles se sentem respeitados", afirma.

Rosemeire Pereira, diretora de uma escola em Camaçari (BA) que integra o projeto, afirma que o toalete também é um espaço didático, onde os alunos podem se expressar e aprender sobre higiene e responsabilidade.

É como se trouxesse uma situação de dignidade, porque você olha para aquele lugar e entende que têm direito a ele. Quando isso acontece, você cuida desse espaço.

Rosemeire Pereira

Diretora de escola em Camaçari (BA) contemplada pelo projeto

Segundo a diretora, os alunos viam o banheiro como apenas mais um espaço no colégio antes da reforma. Muitos pintavam e escreviam nas paredes, e, em geral, não zelavam pelo local.

Com as mudanças, o espaço virou um dos favoritos dos estudantes na escola, de convivência e até autoexpressão, já que conta com uma área reservada para eles desenharem com giz.

"É como se trouxesse uma situação de dignidade, porque você olha para aquele lugar e entende que têm direito a ele. Quando isso acontece, você cuida desse espaço."

A iniciativa é financiada pela Kimberly-Clark, multinacional de produtos de higiene pessoal. Em algumas ocasiões, a empresa também distribui absorventes para parte das escolas. A diretora Rosemeire diz que até os meninos pedem esses produtos, para entregá-los às mães e irmãs em casa.

Escolas em Salvador (BA) também foram contempladas. Segundo Fernanda Lordêlo, secretária municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude, havia em alguns dos colégios um índice alto de faltas entre as meninas, associado a carência de absorvente ou vergonha por estar menstruada.

As equipes da ONG se basearam em diferentes critérios, incluindo maior número de alunas, para selecionar as escolas, e estabeleceram diálogo com as diretoras e professoras.

"A partir do momento em que o banheiro é entregue, há um pacto de conservação e manutenção dessas instituições com a Plan, envolvendo também os alunos", diz Lordêlo.

De acordo com a secretária, a experiência pode nortear projetos similares. Ela diz que o responsável pela pasta de Educação da cidade está ciente sobre a necessidade de um olhar cuidadoso para os banheiros, considerando os efeitos positivos sobre os alunos observados no projeto.

Para a professora Ana Gabriela Travassos, da Uneb, a iniciativa pode ajudar sobretudo aquelas sem esse tipo de estrutura em casa.

"O projeto vai proporcionar espaços mais saudáveis para os cuidados com a higiene corporal, para preservar a individualidade e possibilitar um melhor autocuidado, principalmente para as meninas que precisam dividir o banheiro de casa com muitas pessoas ou até mesmo que não têm um banheiro adequado."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.