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Professores apontam falta de estrutura e de recursos em escolas públicas do país

Situação precária dificulta trabalho pedagógico e desmotiva alunos, segundo docentes

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São Paulo

Mais da metade dos profissionais que atuam em escolas públicas do país considera que os recursos financeiros recebidos pelas unidades são insuficientes para que seu trabalho possa ser feito de forma adequada.

Os dados são do Censo Escolar de 2022, do Ministério da Educação, e mostram como a falta de estrutura física adequada, de materiais e de profissionais é mais um desafio enfrentado pelos professores das redes municipais e estaduais para dar aula. Segundo eles, as dificuldades atrapalham as atividades pedagógicas e desmotivam os alunos.

Para 67% dos profissionais da educação, os recursos financeiros recebidos foram considerados insuficientes para as necessidades da escola. Além disso, para 50%, os recursos pedagógicos ficaram aquém do necessário.

Estrutura de concreto, pintada de verde,  com rachadura no meio
Pátio da escola estadual Alarico Silveira, na região central de São Paulo, que teve de ser interditada em novembro de 2022 após obras serem adiadas por dois anos; a previsão é que sejam concluídas até o fim de 2023 - Arquivo Pessoal

Os dados mostram também que, mesmo com a pandemia de Covid-19, quando a necessidade de apoio tecnológico foi evidenciada, menos da metade das escolas dispõe de internet disponível para atividades pedagógicas ou de computador para ser utilizado pelos alunos.

"A gente escuta esse discurso de que o professor tem que se atualizar, oferecer uma aula do século 21. Mas chegamos à escola e não temos nada que permita isso. Às vezes, falta até papel sulfite para passar uma atividade para os alunos. Depois ouvimos que o problema da educação é o professor mal preparado", conta Martha Pessoa, 46, docente da rede municipal de Búzios, no Rio de Janeiro.

Desde o início do ano, Martha leciona dentro de um contêiner, que foi transformado para receber os alunos enquanto o prédio da escola é reformado. "A escola ficou fechada por dois anos durante a pandemia e não fizeram nenhuma reforma. Quando voltamos, estava tudo caindo aos pedaços."

"A solução foi nos colocar num contêiner que é coberto por uma lona. A gente passa muito calor porque estamos dentro de uma lata. Fora o barulho, dou aula e ouço as professoras e os alunos das outras salas", conta Martha, que é professora do terceiro ano do ensino fundamental.

Escola municipal em Búzios (RJ) está funcionando em estrutura de contêiner de forma emergencial
Escola municipal em Búzios (RJ) funciona em estrutura de contêiner de forma emergencial - Reprodução

Ela dá aula para crianças que estão em fase de alfabetização, mas não tem acesso a jogos didáticos para usar em sala. "É uma fase que o ensino precisa ser lúdico, não adianta só ter livro e apostila. Se eu quiser algo diferente, eu mesma preciso fazer."

Segundo os dados do censo, 78,7% das escolas das redes municipais (onde estão matriculadas mais de 80% das crianças que estudam nos anos iniciais do ensino fundamental) têm jogos educativos e só 30,2%, materiais para atividades artísticas.

"A gente não tem recurso disponível para tornar a escola mais atrativa. O professor fica com toda a responsabilidade, sem nenhum apoio", diz Martha. A Folha procurou a Prefeitura de Búzios, mas não recebeu resposta.

Até mesmo em São Paulo, cidade mais rica do país, professores relatam dificuldade de acesso a recursos que ajudariam em sala de aula. Um docente de uma escola municipal da zona sul conta que sua unidade recebeu há três anos equipamentos de multimídia (computador, projetor audiovisual), porém foram instalados de forma errada e até agora não puderam ser usados.

Para ele, a situação mostra como não há uma preocupação com o recurso público, já que a gestão da escola reclamou do problema de instalação sem que houvesse uma solução por parte da prefeitura.

O professor, que pediu para não ser identificado, também afirma que a escola enfrenta há anos um problema de infiltração e mofo nas paredes. Para ele, o estado de má conservação da unidade impacta na motivação dos alunos.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo diz que um técnico da empresa responsável pela instalação dos equipamentos será encaminhado à escola. Ainda segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), o último reparo no telhado da unidade foi efetuado no dia 12 deste mês e que a escola recebeu R$ 1,2 milhão para manutenção e pequenos reparos.

Andreza Barboza, pesquisadora da Repu (Rede Escola Pública e Universidade) e especialista em trabalho docente, diz que a falta de condições minimamente adequadas em escolas públicas deveria ser encarada como uma violência a qual professores e alunos são submetidos.

"O professor ter que dar aula no verão em uma sala sem cortina e ventilador e o aluno usar um banheiro sem papel higiênico são situações de violência. A sociedade encara como algo normal de tão corriqueiro que é."

Para ela, as políticas públicas educacionais que se tenta implementar no país não são bem-sucedidas por não considerar que as escolas precisam de melhor estrutura e recursos. "Não adianta ter uma política que defenda, por exemplo, o ensino de ciências baseado em evidências, se as escolas não têm laboratório. Ou o fetiche atual do poder público para o uso de tecnologia na educação, sem ter internet nas escolas."

Pedro Santos, professor de uma escola estadual de São Paulo, afirma que neste ano a unidade está oferecendo aulas de uma disciplina eletiva de música, entretanto não há instrumentos musicais disponíveis. "Para os alunos, vira uma piada. São situações mal pensadas, mal planejadas e o professor é quem acaba responsabilizado."

A falta de estrutura adequada para o ensino se soma ainda ao excesso de alunos por professor e à baixa remuneração da profissão. "Esses fatores tornam a profissão muito adoecedora e põem toda a responsabilidade do ensino nas costas do professor. Eles trabalham em condições extremamente adversas e ainda são responsabilizados pelos baixos resultados educacionais do país", diz Andreza.

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