Descrição de chapéu violência

Morto pela PM em Guarujá tinha unhas arrancadas e alicate ao lado do corpo, dizem moradores

Caso é o segundo com relatos de suposta tortura na Operação Escudo, que completa um mês nesta segunda; OUTRO LADO: secretaria diz que nenhum laudo apontou abuso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Guarujá

O corpo do encanador Willians dos Santos Santana, 36, foi entregue à família com um ferimento no rosto, um hematoma na cabeça, as unhas das mãos arrancadas, cortes e perfurações nos braços. Ele foi morto por policiais militares na tarde do último dia 18, com seis tiros de pistola, dentro do barraco em que morava na ponta da praia de Perequê, em Guarujá.

A reportagem entrevistou oito pessoas que moram no bairro da cidade do litoral de São Paulo, entre familiares e vizinhos. Quatro disseram estar nas redondezas no momento em que policiais entraram no barraco, e as demais afirmam ter visto o corpo e a casa após o local ser liberado.

Marca de tiro no barraco onde morreu o encanador Willians Santana, 36, e uma poça de sangue coagulado ao fundo; caso tem indícios de tortura, segundo relatos de vizinhos - Bruno Santos/Folhapress

Eles contam que ouviram os gritos de socorro por mais de cinco minutos e encontraram indícios de tortura tanto no barraco quanto no corpo da vítima. Um alicate ensanguentado e uma faca estavam no chão do barraco, no ponto onde o corpo ficou caído.

Ao menos seis pessoas que viram o corpo relatam que a perfuração no rosto, entre o nariz e o olho, condiz com um ferimento a faca. Uma vizinha diz ter visto pedaços de pele no chão, e um amigo afirma que no velório foi possível ver que um braço estava com a pele se desfazendo.

O caso de Santana é o segundo com relatos de suposta tortura por vizinhos e familiares desde o início da Operação Escudo, que já teve 22 pessoas mortas pela PM e completa um mês nesta segunda (28). O outro caso ocorreu em 28 de julho, na Vila Baiana, também em Guarujá —gritos de socorro foram ouvidos, e marcas de cigarro e cortes no braço encontrados no corpo, segundo moradores.

A operação tem sido alvo de críticas em meio a denúncias de supostos abusos e de mortes de pessoas não vinculadas ao crime organizado, o que tem sido rebatido tanto pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quanto pelo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite.

Questionada sobre o caso, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) disse que "os laudos oficiais de todas as mortes, elaborados pelo Instituto Médico Legal, foram executados com rigor técnico, isenção e nos termos da lei". "Em nenhum deles foi registrado sinais de tortura ou qualquer incompatibilidade com os episódios relatados. Os documentos já foram enviados às autoridades responsáveis pelas investigações", disse a secretaria.

O governo afirma que todas as mortes resultaram de situações em que os suspeitos buscaram confronto com a polícia. A pasta acrescenta que denúncias de abuso da força policial podem ser formalizadas em qualquer unidade da PM, inclusive pela Corregedoria da instituição. "Desvios de conduta não são tolerados e são rigorosamente apurados mediante procedimento próprio."

Santana já havia trabalhado como encanador em obras da Sabesp e da Prefeitura de Guarujá, segundo os moradores. Fazia bicos como eletricista, consertando a fiação elétrica dos vizinhos, e como cabeleireiro.

A Folha conversou com um homem que foi supervisor dele em obras no bairro e assistiu a um vídeo em que ele aparece trabalhando no corte de cabelo de um cliente —que custava R$ 25, segundo um aviso feito a tinta no barraco.

Há cerca de duas semanas, policiais militares teriam abordado o encanador na rua e feito ameaças, dizendo que iriam matar ao menos quatro pessoas na comunidade do Perequê e que ele poderia ser uma das vítimas. Duas pessoas disseram à reportagem que ouviram esse relato do próprio Santana.

Desde então, ele ficou hospedado na casa da mãe, fora de Guarujá. Na sexta-feira, voltou ao bairro para um serviço, em que faria a ligação de uma casa à rede de esgoto da Sabesp.

Segundo os moradores, por volta das 15h, duas viaturas do 12º Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) —que normalmente atua em Araçatuba, a cerca de 665 quilômetros de Guarujá— estacionaram a alguns quarteirões de distância da rua Maria Bonita, e os policiais desceram e fizeram um patrulhamento a pé. Duas pessoas dizem que Santana estava em frente à porta de casa e correu para dentro do barraco quando viu a equipe. Um policial ficou parado na esquina, portando um fuzil, e ao menos dois entraram no barraco.

Após a primeira rajada de tiros, as viaturas ligaram as sirenes, que segundo os vizinhos ficaram acionadas por mais de meia hora. Moradores dizem que ouviram um policial dizer a colegas que uma pessoa havia apontado uma arma em direção aos policiais, e mais viaturas chegaram em seguida. Gritos e mais tiros foram ouvidos, em meio ao som das sirenes.

Santana nunca foi visto com arma de fogo e não teria dinheiro para comprar qualquer armamento, disseram vários entrevistados. Ele costumava pedir dinheiro emprestado a um vizinho para almoçar macarrão instantâneo. A família tem um atestado emitido pela SSP mostrando que ele não tinha antecedentes criminais.

O boletim de ocorrência diz que a equipe foi chamada ao local após um homem fugir ao ver policiais na rua. Três policiais contaram em depoimento que, ao chegar no local, um homem atirou contra policiais e entrou no barraco. Eles alegaram ainda que o homem aguardava com arma em punho ali dentro, mas os policiais atiraram primeiro neste momento.

Nenhum PM ficou ferido. Os agentes disseram ainda ter encontrado centenas de porções de drogas em uma mochila azul dentro do barraco, além de um revólver calibre 38. Há marcas de tiro em apenas um lado do barraco.

O boletim de ocorrência não faz menção ao uso de câmera nas fardas. Vizinhos disseram que nenhum dos policiais usava o equipamento.

Um vídeo do mesmo dia da morte mostra dezenas de moradores protestando, repetindo que "mataram um trabalhador", enquanto viaturas da PM e um carro fúnebre deixam o local.

Operação é a mais letal da PM desde o Carandiru

A Escudo é a operação da Polícia Militar paulista mais letal desde o massacre do Carandiru. Ela foi deflagrada no fim de julho, após o assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, da Rota. O efetivo da operação ultrapassou 600 policiais. Três suspeitos foram presos e se tornaram réus pelo assassinato do soldado.

Moradores denunciaram o assassinato de pessoas que estariam desarmadas, invasões de casas por policiais mascarados, entre outras irregularidades. Imagens de câmeras corporais de policiais militares enviadas ao Ministério Público de São Paulo mostram registros de confrontos com criminosos em apenas 3 dos 16 casos iniciais em que houve mortes, que ocorreram entre os dias 28 de julho e 2 de agosto.

Por cerca de duas semanas, a operação na Baixada Santista não teve mortes. No último dia 15, um delegado da Polícia Federal foi baleado e, segundo entidade, ficou em estado grave. Após o ataque ao agente federal, quatro pessoas morreram em ações da PM.

A SSP tem afirmado que "todos os casos são investigados minuciosamente pela DEIC de Santos e pela Polícia Militar por meio de Inquérito Policial Militar". A secretaria diz, ainda, que policiais civis e técnico-científicos foram mobilizados para dar apoio às investigações. "Todo conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, está sendo compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.