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Movimento de angolanos sem-teto ocupa prédios históricos no centro de SP

Três endereços comerciais se tornaram moradia para famílias de imigrantes; Justiça marcou reintegração de posse

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São Paulo

Em frente à janela do prédio tombado construído na década de 1920 com vista para a prefeitura paulistana, Mimi Luciavava, 47, se arruma para trabalhar em uma das salas comerciais transformada em residência com cozinha, sala e quarto separados por um lençol.

Ela faz parte dos cerca de 90 moradores do imóvel, ocupado desde abril por um movimento formado por imigrantes angolanos sem-teto. O edifício fica na praça do Patriarca, centro de São Paulo,

A maioria que mora na ocupação está há menos de um ano na cidade e se mudou para o prédio histórico após passar por abrigos voltados a receber imigrantes na região. Mesmo empregados, os moradores afirmam não terem como arcar com os custos do aluguel e manterem suas famílias.

Angolana Mimi Luciavava, 47, é uma das moradoras de prédio na praça do Patriarca, no centro de São Paulo, por movimento de moradia de imigrantes
Angolana Mimi Luciavava, 47, é uma das moradoras de prédio na praça do Patriarca, no centro de São Paulo, por movimento de moradia de imigrantes - Danilo Verpa/Folhapress

Essa é a razão pela qual Mimi se mudou para o prédio que já foi sede de secretarias municipais e estava fechado. "Cheguei a São Paulo em fevereiro e estava em um abrigo para imigrantes. Assim que consegui trabalho, saí de lá para dar lugar a alguém que precisasse mais do que eu", diz ela que vive na ocupação desde maio com a irmã grávida de oito meses e a sobrinha de 5 anos.

Com quase 32 mil pessoas em situação de rua, a cidade de São Paulo reúne 588.978 imóveis vazios, entre apartamentos e casas, conforme dados do Censo 2022 publicado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).

A entrada no prédio pelo portão de ferro trabalhado é controlada por um porteiro também angolano e a sobreloja foi transformada em uma igreja evangélica com púlpito, cadeiras de plástico e cultos duas vezes por semana.

Nos corredores, a estrutura de ferro do elevador original, com acionamento manual das portas, é usado para estender roupas. Os dois únicos banheiros foram divididos para separar o uso por moradores do sexo feminino e masculino.

Perto dali outro imóvel localizado no calçadão do centro histórico da cidade também foi ocupado pelo movimento de moradia e abriga cerca de 60 angolanos. "Morava em ocupação e percebia a necessidade dessas pessoas que vêm de outro país para tentar a vida em São Paulo", diz a líder do Movimento Social por Moradia, Adilma Sousa dos Santos, 47. "Não me conformo em ver tanta gente sem ter onde morar e tantos imóveis vazios no centro", continua. Segundo ela, o prédio que foi sede da secretaria de Urbanismo e Obras da gestão municipal estava desocupado há cinco anos.

Os dois imóveis têm decisões de reintegração de posse a serem cumpridas nos próximos dias 15 e 17. Em nota, a prefeitura disse que não foi notificada sobre as ações e que assistentes sociais estiveram nos endereços, mas os moradores recusaram encaminhamentos a abrigos municipais. O proprietário do prédio na praça do Patriarca foi procurado pela reportagem, mas não se posicionou sobre o assunto até esta publicação.

Para manter funcionários na portaria e pagar os honorários advocatícios do escritório que representa os moradores na ação judicial, o movimento cobra entre R$ 200 e R$ 250 de cada um por mês.

Outro morador, Armando Mafuka, 33, disse que soube da ocupação poucos dias antes de acabar o prazo de permanência no centro de acolhida onde ele, a mulher e a filha moravam desde que chegaram de Angola. "Não tinha para onde ir", diz ele, que trabalha como faxineiro em um programa de emprego da prefeitura. "Estava andando pelo centro e vi um grupo de pessoas em frente ao prédio e pedi ajuda."

Ele conta que escolheu morar no Brasil por causa da facilidade com o idioma, já que o português também é a língua oficial de Angola. "Facilita para conseguir emprego e para a minha filha ir à escola", diz.

A poucos quilômetros de distância, em frente à praça da República, o primeiro fórum de Justiça Federal da capital paulista, inaugurado em junho de 1968, também serve de moradia a dezenas de famílias de estrangeiros sem-teto, a maioria angolanos, que ocuparam o imóvel público no último dia 7. O grupo não faz parte do Movimento Social por Moradia, segundo a líder Adilma. A Folha tentou entrar no prédio e falar com os ocupantes, mas não foi autorizada.

O endereço estava desocupado desde o início de abril deste ano, quando as atividades foram direcionadas para a sede do Juizado Especial Federal, na avenida Paulista. No local funcionava a Central de Conciliação de São Paulo que mudou de endereço para ficar mais perto dos outros fóruns, segundo o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

Procurada, a secretaria de Habitação disse que não recebeu cadastros habitacionais dos ocupantes. O Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes também esteve no local para prestar informações sobre vagas de trabalho, segundo a administração.

A Superintendência do Patrimônio da União no Estado de São Paulo, órgão do Ministério da Fazenda responsável pela gestão do imóvel, negou que o prédio estava abandonado. Afirmou também que, uma vez desocupado, o prédio teve a segurança reforçada, mas isso não impediu a entrada dos imigrantes. O local será destinado para habitação de interesse social, na modalidade reforma, do Programa Minha Casa Minha Vida.

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