Apesar de pressão, Lula avalia vetar apenas trechos de marco temporal aprovado no Senado

Líder do governo no Congresso tem declarado que texto deve ser derrubado, enquanto líder no Senado sinaliza que apenas os 'jabutis' devem cair

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Brasília

O presidente Lula (PT) avalia sancionar o projeto de lei que cria o marco temporal de terras indígenas e vetar apenas os "jabutis", ou seja, trechos que extrapolam a tese e autorizam, por exemplo, o contato com povos isolados e até mesmo a retomada de territórios já demarcados.

É o que tem sinalizado o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apesar das declarações do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Nesta quinta (28), Randolfe reafirmou que Lula deve vetar o projeto, cuja tese derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) na semana passada.

"Não tem como um governo minimamente civilizatório e democrático não vetar um texto que diz, entre outras coisas, que terras indígenas já demarcadas podem ter a demarcação revista", afirmou nesta quinta, um dia depois da decisão do Senado.

Plenário do Senado Federal durante aprovação do marco temporal nesta quarta (27) - Jonas Pereira - 27.set.2023/Agência Senado

A tese do marco temporal determina que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Até mesmo senadores a favor do projeto de lei, no entanto, reconhecem que o texto aprovado pelo Congresso vai além da tese. Um dos artigos mais criticados, por exemplo, dá aval para o contato com povos isolados para "prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública".

"Se está discutindo uma tese e se coloca nessa tese uma série de itens que, seguramente —eu não vou prometer porque não sei a posição do presidente—, serão vetados. Porque são, vou dizer assim, estranhos ao foco do PL", afirmou Wagner no plenário nesta quarta.

"Quero pedir vênia ao nosso relator, que eu sei que manteve [o trecho que libera a retomada de terras demarcadas] para que o projeto não ficasse indo e vindo, indo e vindo. Para que a gente pudesse, depois, ponderar e até concordar, eventualmente, com os vetos do presidente da República sobre esses temas. Não estou falando sobre o central", concluiu.

O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), afirmou que os senadores da bancada ruralista também não concordam com o artigo que autoriza a União a "desmarcar" territórios, caso os indígenas percam seus "traços culturais". Marinho disse, no entanto, que o governo provavelmente terá "juízo" e não vetará o PL na íntegra.

"Se o governo entender que deve vetar a essencialidade do projeto, a integralidade, você não tenha dúvidas de que o sentimento hoje da Casa é de derrubar o veto. Caso venha desta forma, o que eu não acredito. Acho que o governo neste caso vai ter juízo", afirmou nesta quinta.

Parlamentares também lembraram quando Jair Bolsonaro (PL) vetou parte do perdão a dívidas de igrejas, em 2020, mas estimulou o Congresso a reverter sua própria decisão.

Com a aprovação do projeto de lei, cabe ao presidente da República vetar ou sancionar a decisão do Congresso. Os deputados federais e senadores têm direito, no entanto, de analisar e derrubar o veto —devolvendo ao texto a parte eliminada pelo mandatário.

A avaliação de políticos do Senado é de que o marco temporal também foi usado politicamente pelo presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (União-AL), para se aproximar da oposição.

Durante a disputa pela presidência do Senado, no início do ano, aliados de Marinho criticavam a condução da CCJ por Alcolumbre e diziam que a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) abriria brecha para que Alcolumbre continuasse à frente da comissão —o que de fato ocorreu.

Nesta quarta (27), Alcolumbre foi elogiado por bolsonaristas; Pacheco, aplaudido. Em mais um sinal de boa vontade, Marinho, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e outros três ex-ministros de Bolsonaro —Damares Alves (Republicanos-DF), Ciro Nogueira (PP-PI) e Tereza Cristina (PP-MS)— marcaram presença na sessão desta quinta que aprovou o Desenrola Brasil.

"Nós somos oposição, mas essa matéria nos une", afirmou Damares sobre o programa de renegociação de dívidas do governo Lula. "Tanto que nós estávamos em obstrução até ontem [quarta]. Hoje a gente suspende a obstrução, muito por conta desta matéria", completou.

O julgamento do STF —concluído também nesta quarta— começou em 2021 e é um dos maiores da história da corte. Ele se estendeu por 12 sessões, sendo duas dedicadas a 38 manifestações das partes do processo, de terceiros interessados, do advogado-geral da União e do procurador-geral da República.

Após decidirem que a tese é inconstitucional, os ministros fixaram a previsão de pagamento de indenização prévia a proprietários "de boa-fé" de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.

O clima no Congresso também contrastou com o do Supremo. Enquanto, na semana passada, indígenas acompanhavam o voto dos ministros dentro do plenário e em frente ao tribunal, apenas parlamentares, assessores e jornalistas circulavam pelo plenário do Senado nesta quarta.

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