Entenda como o debate político sobre aborto ganhou força no Brasil

Projeto de Lei debatido em 2005 foi ponto de virada para criação de bancada antiaborto no Congresso

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Brasília

Em abril de 2023, o ministro Silvio Almeida foi ao Senado para apresentar o plano de trabalho da pasta dos Direitos Humanos para os próximos anos. Mas a maior repercussão sobre o evento surgiu de uma pauta que nem sequer estava prevista: o aborto.

O senador Eduardo Girão (Novo) tentou entregar um feto de borracha ao ministro, que o recusou. "Isso, para mim, é uma exploração inaceitável de um problema muito sério que nós temos no país", rebateu.

Girão é um dos principais representantes da bancada antiaborto no Congresso, e fetos de plástico costumam ser usados em manifestações contra o aborto.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE), à esq., exibe réplica de feto ao ministro Silvio Almeida (à dir.)
O senador Eduardo Girão (Novo-CE), à esq., exibe réplica de feto ao ministro Silvio Almeida (à dir.) - Pedro França/Agência Senado

A interação entre o senador e o ministro representa vários pontos do debate sobre direitos reprodutivos travado na política brasileira nas últimas décadas. Ele ganha um novo capítulo com o início, nesta sexta (22), do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) da ação que trata da descriminalização do aborto durante o primeiro trimestre de gestação. No Brasil, o aborto só é legal em casos de estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia do feto.

Uma das principais opositoras da descriminalização é a frente parlamentar da qual Girão faz parte e que hoje tem mais de 200 membros. A instalação dela remonta a um ano-chave para a discussão sobre a interrupção da gravidez no Brasil.

Até então, o aborto vinha sendo discutido pontualmente no país desde o fim da ditadura. Mas o primeiro governo Lula (PT), iniciado em 2003, começou a fazer mudanças nas políticas sobre o tema —como uma portaria que alterava a norma para abortamentos em casos de estupro e a assinatura do Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que previa revisar a legislação punitiva do aborto.

O ponto de virada para a criação da bancada antiaborto no Congresso foi um projeto de lei de 1991. O PL 1135 passou quase 15 anos parado no Legislativo —até que, em 2005, chegou perto de ser votado depois de um novo arranjo político.

O texto propunha descriminalizar o aborto até o terceiro mês de gestação, mas, correndo o risco de derrota, os parlamentares governistas decidiram retirar o projeto da pauta, sem nova data para análise. A nova articulação contra a interrupção da gravidez teve repercussões no país todo nas décadas seguintes —inclusive no desenrolar do caso que se tornou o maior processo por aborto do país, em 2007.

A história é contada no podcast Caso das 10 Mil, série narrativa em áudio da Folha que investiga em seis episódios a derrocada da Clínica de Planejamento Familiar de Campo Grande e mostra o que ela tem a ver com o acirramento da disputa política sobre aborto e a ascensão da bancada conservadora do Congresso.

O espaço funcionou durante 20 anos no centro da capital de Mato Grosso do Sul, ante uma espécie de acordo silencioso entre a médica Neide Mota Machado e a sociedade local, até que uma reportagem da TV Globo denunciou os atendimentos —o que desencadeou uma operação policial.

Na ação das forças de segurança, os registros médicos de 10 mil pacientes acabaram apreendidos. Os casos foram analisados, investigados e levaram mais de mil mulheres à Justiça. As funcionárias da clínica também foram processadas e levadas ao Tribunal do Júri.

A repercussão nacional do caso provocou uma peregrinação de políticos e entidades a Campo Grande que durou meses. A investigação ensejou até uma sessão acalorada no Congresso Nacional, com a presença do juiz e de um dos promotores do caso e da então ministra Nilcéa Freire, da pasta das Mulheres.

O terceiro episódio de Caso das 10 Mil traz áudios dessa sessão e mostra como o debate sobre aborto naquele momento foi definitivo para a discussão de hoje.

Caso das 10 mil é apresentado pelas repórteres da editoria de Podcasts da Folha Angela Boldrini e Carolina Moraes. Angela apresentou a série narrativa Sufrágio, com apoio do Pulitzer Center for Crisis Reporting, e cobre desigualdade de gênero e temas relacionados aos direitos das mulheres. Carolina é produtora do Café da Manhã e apresentou o Expresso Ilustrada, podcast de cultura do jornal.

A edição de som do podcast é de Raphael Concli, e a pesquisa foi feita com Isabella Menon, repórter da Folha. A coordenação é de Magê Flores e Daniel Castro. A identidade visual do podcast é de Catarina Pignato.

CASO DAS 10 MIL
quando quartas-feiras, às 8h
onde nas principais plataformas de podcast

Podcast Caso das 10 mil
Capa do podcast Caso das 10 Mil - Catarina Pignato

OS EPISÓDIOS DE CASO DAS 10 MIL

A Clínica
Como um consultório que realiza abortos em Campo Grande há 20 anos vira o centro de uma operação policial.

As Mulheres
Milhares de pacientes lidam com as repercussões pessoais, familiares e jurídicas do caso envolvendo a Clínica de Planejamento Familiar.

O Congresso
Em Brasília, o combate ao aborto se torna a prioridade de um parlamentar. Rapidamente, ele constrói uma bancada —e o caso das 10 mil vai para o centro dessa disputa.

A Médica
Quem é a anestesista Neide Mota Machado, denunciada pela prática de abortos clandentinos e que podia ser condenada a décadas de prisão.

O Júri (em 27.set)

O Hospital (em 4.out)

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