Descrição de chapéu Obituário Edith Yanithckis (1921 - 2023)

Mortes: Cruzou o Atlântico com uma mala e dez marcos alemães

Edith Yanithckis conseguiu deixar Berlim para encontrar a família no Rio

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Felipe Frisch
São Paulo

Quando o pai cantava músicas de ninar em húngaro para a pequena "estrelinha", ela não imaginava as reviravoltas que sua vida daria. O apelido "sterlein", na língua antiga dos judeus, o iídiche, derivava de Esther, seu nome religioso.

Na Berlim em que nasceu em 1921, Edith Bochner estudou até o quarto ano, quando judeus foram impedidos de frequentar escolas públicas, e passou a trabalhar na alfaiataria dos pais, em casa.

Na manhã de 10 de novembro de 1938, dois policiais bateram na porta do apartamento em que vivia no Mitte, centro da capital alemã, para buscar seu pai, Kalman. Era parte ainda do levante violento que ficou conhecido como a Noite dos Cristais —iniciada na véspera, quando civis e soldados nazistas prenderam, agrediram e mataram judeus, além de destruírem seus negócios, casas e sinagogas por toda a Alemanha, marcando o início do Holocausto.

Edith Yanithckis (1921 - 2023)
Edith Yanithckis (1921 - 2023) - Arquivo pessoal/Maria Celeste Reis

Dois anos depois, mãe e filha conseguiriam deixar o país, graças a uma carta de chamada que seu tio Joel —fugido da ditadura da Hungria para o Rio de Janeiro em 1924— enviou para a embaixada brasileira em Berlim. Era a garantia perante as autoridades brasileiras de que haveria alguém para recebê-las. Cartas anteriores em nome delas e do seu irmão Kalman foram extraviadas, possivelmente vendidas ilegalmente.

Com apoio de um dos grupos de ajuda internacional, teriam que estar na estação na noite seguinte daquele novembro de 1940, época em que a cidade era bombardeada todas as noites pela Inglaterra. O trem as levou até Lisboa, onde embarcaram no último navio de passageiros que pôde cruzar o Atlântico na já iniciada Segunda Guerra Mundial, podendo levar apenas uma mala e dez marcos alemães (aproximadamente US$ 4 na época) cada uma.

No Rio, casou-se, virou Edith Frisch, teve dois filhos, trabalhou como representante comercial. Mulher forte e determinada, separou-se aos 50, quando ainda não havia lei do Divórcio no Brasil. Casou-se (e mudou de sobrenome) novamente: agora seria Yanitchkis. Somou cinco netos, quatro bisnetos e muitos agregados.

Amava viajar. Voltou em pelo menos três ocasiões à Alemanha, país que muito a orgulhava, apesar de tudo. Mudou-se sozinha com mais de 80 anos para Teresópolis, onde cursou uma faculdade da terceira idade e escreveu um livro.

Voraz leitora, tinha disciplina invejável. Manteve-se interessada nos avanços da tecnologia e da humanidade, que acompanhava pelo jornal diário até seus últimos dias. E ficou emocionada ao saber que o porão do prédio em que morou em Berlim foi transformado em livraria.

Já com mais de 90 anos de idade, usava email e ligações em vídeo para falar com amigos e familiares e mandava os netos procurarem no Google quando algum deles tentava tirar uma rara dúvida histórica cuja resposta ela não lembrava.

Morreu aos 101 anos de idade no último sábado (9), no Rio de Janeiro.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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