Descrição de chapéu Obituário Alberto Waingort Setzer (1951 - 2023)

Mortes: Ajudou o Brasil a enxergar melhor as queimadas

Do fogo amazônico ao gelo antártico, Alberto Waingort Setzer foi pioneiro na observação via satélite

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São Paulo

Alberto Waingort Setzer, do fogo amazônico ao gelo antártico, ajudou o Brasil a se enxergar melhor e entender para onde era necessário ir.

Se hoje os brasileiros sabem, ao menos um pouco, sobre a situação do fogo na Amazônia, se a imprensa nacional e internacional consegue acompanhar como estão as queimadas na gigantesca floresta amazônica ou nas alagadiças planícies pantaneiras, tudo isso é graças à persistência e ao empenho de Setzer.

Colegas contam como o pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que planejava sua aposentadoria para o final deste ano, desbravou no mundo a observação, a partir de dados de satélite, de focos de fogo em florestas tropicais.

Alberto Waingort Setzer (1951 - 2023)
Alberto Waingort Setzer (1951 - 2023) - Divulgação

"O Setzer foi o que chamamos de pesquisador exemplar", diz Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe, segundo o qual Setzer começou a pesquisar no Brasil uma área pouco explorada, agregou conhecimento e gente a esse tema e, ainda, conseguiu levar a ciência de sua área a outro patamar.

Um pesquisador desde pequeno, resume Rachel Trajber, pesquisadora do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e primeira esposa de Setzer.

"Tinha jeito de pesquisador, muito curioso. Ele duvidava e fazia perguntas científicas ao longo da vida", conta Trajber, que dividiu cerca 15 anos com Setzer, com um namoro que começou na segunda década de vida de ambos.

"Ele entendeu que a questão do fogo era um elemento importante para os ambientes brasileiros."

Entender isso e levar esse conhecimento adiante não foi simples, diz Câmara. Se hoje o nome de Setzer é uma unanimidade quando se fala em monitoramento de fogo, na década de 1980, quando o pesquisador começou seus trabalhos no Inpe, a história era outra.

"Setzer é o primeiro cientista brasileiro que usa dados concretos de fogo para medir a incidência de desmatamento. De forma que, quando começa a fazer isso, ele começa a dizer que está queimando a Amazônia", diz Câmara.

Setzer teve que enfrentar resistências dentro do próprio Inpe e do governo brasileiro, conta Câmara.

Um possível exemplo disso pode ser visto em uma reportagem de 10 de maio de 1989, nesta Folha. Em "Sarney minimizou devastação da Amazônia em seu governo", o repórter Maurício Tuffani —morto em 2021— mostrava como os dados de queimadas produzidos em um estudo feito por Setzer indicavam que o discurso oficial adotado pelo então presidente José Sarney não encontrava lastro na realidade.

Sarney, então, usava dados de desmate produzidos pelo Inpe para dizer que, durante o seu governo, a devastação correspondia a "uma taxa ínfima". Pois o esforço de Setzer e a reportagem de Tuffani mostravam como, em menos de um ano —este, logicamente, correspondente ao governo Sarney—, cerca de 80 mil km² de queimadas estariam ligados a "floresta recém-derrubada".

"Esses desmatamentos ocorreram em 1987", disse à reportagem, naquele momento, Setzer, colocando-se de encontro ao discurso oficial do governo, que, àquela altura, sofria com a pressão internacional pela destruição que se via na Amazônia.

Setzer era persistente e coerente, diz Trajber. Além da persistência em relação ao fogo nos biomas brasileiros, houve a persistência e pioneirismo de sua atuação na Antártida. "Ele foi para a Antártida, nos verões antárticos, de uma forma muito persistente", conta Trajber. "Isso também forma um cientista. Essa persistência em coletar dados e interpretar."

O pesquisador de fogo do Inpe também fez parte do Proantar (Programa Antártico Brasileiro), coletando dados climatológicos.

A persistência ia além do campo de pesquisa. Entrava também nas quadras de tênis, esporte que praticava quase diariamente.

Um dos parceiros de jogo e de sala no Inpe foi o pesquisador Carlos Nobre. "Um dos grandes cientistas, muito inovador", diz Nobre, lembrando que, além do monitoramento do fogo, Setzer também teve dedo nos dados sobre risco de fogo (basicamente, usar dados de satélite para saber quão propensa uma área está para queimar). "Do gelo ao fogo", resume Nobre.

Além da batalha constante contra a destruição da Amazônia e o amor que nutria pela natureza, Setzer era uma boa dupla de tênis. "A gente se divertia muito jogando tênis na hora do almoço no Inpe", diz Nobre.

"O sucesso de um cientista está marcado pelo legado", resume Câmara.

Setzer morreu, aos 72 anos, no último dia 8 de setembro, vítima de um ataque cardíaco.

Ele deixa a esposa Adriana Prest Mattedi, com quem estava casado havia mais de 30 anos, e Joana Setzer, filha do primeiro casamento que trabalha com crise climática.


coluna.obituario@grupofolha.com.br

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