Descrição de chapéu Folhajus Boate Kiss

STJ mantém a anulação do júri da boate Kiss, e processo volta à estaca zero

Quatro ministros divergiram de relator e apontaram falhas técnicas em julgamento; nova data não está definida

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Porto Alegre

Por 4 votos a 1, a 6ª turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) manteve a anulação do júri que condenou quatro pessoas pelo incêndio que matou 242 pessoas e feriu mais de 600 em 27 de janeiro de 2013.

A tragédia completou dez anos sem que houvesse nenhuma pessoa responsabilizada pela Justiça dado que, em agosto de 2022, por 2 votos a 1, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho anularam o júri dos quatro réus e, consequentemente, suas condenações.

Desde então, os donos da boate Elissandro Callegaro Spohr (o Kiko) e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o auxiliar de palco Luciano Bonilha Leão, que haviam sido condenados a penas entre 18 e 22 anos, estão em liberdade.

Em sessão realizada nesta terça (5), o STJ manteve a anulação do júri da boate Kiss - Reprodução/STJ no YouTube

Em 13 de junho, o ministro relator Rogério Schietti Cruz, foi contrário à anulação.

Conforme o entendimento de Cruz, o júri foi invalidado com base em falhas técnicas que foram contestadas fora do momento adequado e sem que fossem especificados os prejuízos causados às defesas dos réus. Ao não contestar as falhas no momento do julgamento, as defesas teriam perdido o direito de fazê-las posteriormente por "preclusão temporal", segundo o ministro.

Após um pedido de vista, o julgamento foi retomado nesta terça. Os demais ministros, então, divergiram do voto do relator. Os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Sebastião Reis, Jesuíno Rissato e Laurita Vaz mantiveram a anulação com diferentes argumentos.

Entre os quatro argumentos que levaram as defesas a pedir a anulação, Palheiro, Reis e Rissato apontaram com particular gravidade uma reunião reservada do juiz Orlando Faccini Neto com os jurados sem a presença dos advogados de defesa ou do Ministério Público.

Na visão de Reis, tal reunião foi "completamente irregular e anômala" e, conforme o ministro Saldanha, a ocorrência da reunião sigilosa "traz uma influência que não tem como salvar o procedimento". Assim, o caso da boate Kiss terá de passar por um novo júri popular.

A data do novo julgamento não está definida. Nesta terça, a Promotoria gaúcha chegou a divulgar a previsão de 20 de novembro, mas o Tribunal de Justiça afirmou que haverá remarcação "em razão da necessidade de organização de infraestrutura e logística exigidas por um júri de grande porte, como se trata o do Caso Kiss".

Em nota, o Ministério Público disse respeitar a decisão do STJ, mas que "lamenta profundamente que o recurso da instituição não tenha sido aceito".

"O MPRS se solidariza com as vítimas e seus familiares e entende que a demora na finalização do processo revitimiza a todos e gera a sensação de injustiça. O Ministério Público continuará lutando pela responsabilização de todos os envolvidos", disse o órgão.

Nas redes sociais, a AVTSM (Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria) também repudiou a decisão da corte em Brasília.

"Foram 242 vidas roubadas, 636 jovens que sobreviveram àquela noite marcada pela ganância e horror. São famílias destruídas, pais e mães que dez anos depois ainda lutam e esperam pela Justiça."

Finalizado em dezembro de 2021, o julgamento do caso da boate Kiss ocorreu após quase nove anos da tragédia e foi o mais longo da história do Judiciário gaúcho.

Os advogados dos réus haviam pedido a anulação alegando que não houve cumprimento das regras judiciais ao longo do processo. Advogado de Spohr, Jader Marques, citava ainda entre os motivos a composição final dos sete jurados a poucos dias do júri como um dos prejuízos à preparação das defesas.

"Não pode um juiz de Direito, diante de um caso qualquer, complexo ou não, criar uma nova regra. A criação de situações que beneficiariam todas as partes não teria problema. Mas uma sistemática que prejudica apenas uma das partes não pode ser admitida", declarou Marques na ocasião.

O incêndio na boate Kiss ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013. A maioria das vítimas sofreu asfixia devido a gases tóxicos liberados pela queima do revestimento de espuma instalado irregularmente no local e que foi atingido pelas chamas de um artefato pirotécnico acendido no show da banda Gurizada Fandangueira.

Spohr e Hoffman foram responsabilizados por terem usado nas paredes e no teto da boate a "espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso" que, ao pegar fogo, liberou o gás tóxico.

A acusação contra os dois sócios listava também irregularidades como manter "a casa noturna superlotada, sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza, bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório, além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo".

Quando as chamas começaram e a fumaça se espalhou, os extintores não funcionaram e não havia sinalização de saída de incêndio. Dezenas de vítimas morreram aglomeradas nos banheiros, cujas janelas eram vedadas, ou amontoadas aos gradis que dificultavam a saída da boate.

Vocalista e auxiliar de palco da banda, Santos e Leão foram responsáveis por adquirirem e acionarem os fogos de artifício "que sabiam se destinar a uso em ambientes externos" e por terem saído do local "sem alertar o público sobre o fogo e a necessidade de evacuação", segundo a denúncia.

As defesas pediram durante o julgamento que o caso fosse reclassificado como culposo —sem intenção.


VAIVÉM NO PROCESSO DA KISS

Júri - 1º/12/2021

Depois de oito anos e dez meses, começa o júri popular de quatro acusados pelo incêndio na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013. Um dos motivos da demora foi o desaforamento do caso de Santa Maria (RS) para Porto Alegre, pedido por 3 dos 4 réus

Condenação - 10/12/2021

Jurados condenam sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr (22 anos e 6 meses de prisão) e Mauro Londero Hoffmann (19 anos e 6 meses), o músico Marcelo de Jesus dos Santos (18 anos) e o auxiliar de palco Luciano Bonilha Leão (18 anos). O juiz estabeleceu o regime fechado para todos os réus

Anulação - 3/8/2022

No julgamento dos recursos da defesa dos réus à 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, por 2 votos a 1, os desembargadores anulam o júri. Entre os principais motivos estavam a realização do sorteio de jurados fora do prazo previsto pelo Código de Processo Penal e uma reunião reservada entre o juiz e os jurados sem a participação das defesas ou do Ministério Público. Diante da decisão, os réus são libertados

Análise de recurso - 13/6/2023

O STJ analisa recurso do Ministério Público contrário à anulação. No primeiro dos 5 votos da corte, o relator é favorável ao recurso que reverteria à anulação. No entendimento do ministro relator Rogério Schietti Cruz, as falhas no julgamento ou não foram relevantes para o resultado ou não foram apontadas no momento correto. Segundo ministro a votar, Antonio Saldanha Palheiro pede vistas do processo.

Anulação confirmada - 05/9/2023

Os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Sebastião Reis, Jesuíno Rissato e Laurita Vaz divergiram do relator, e o processo volta à estaca zero no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

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