Descrição de chapéu drogas Datafolha

Um em cada 10 adultos diz já ter usado substâncias psicodélicas

LSD é a mais citada, mas respostas espontâneas ao Datafolha mencionam também drogas não relacionadas, como cocaína e heroína

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São Paulo e Campinas

A pesquisa nacional Datafolha de 12 e 13 de setembro revela que 10% dos maiores de 18 anos declaram já ter usado psicodélicos, também conhecidos como alucinógenos. O dado surpreende porque outros estudos brasileiros mostraram taxas menores.

No 3º Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas pela População Brasileira publicado pela Fiocruz em 2017, só 1,1% das pessoas entre 12 e 65 anos haviam consumido alucinógenos durante a vida. No 2º Levantamento Nacional de Álcool e Outras Drogas da Unifesp, de 2012, o uso foi relatado por 0,9% dos adultos.

Cifra similar à apurada pelo Datafolha aparece, entretanto, num contingente populacional mais propenso a usar substâncias como LSD, cogumelos "mágicos" e ayahuasca: na pesquisa de 2010 1º Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, realizado pela UFBA para a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, a prevalência foi de 7,6%.

ampola com medicamento está em pé em bandeja prata, além de seringa utilizada para aplicação
Cetamina utilizada em tratamento no Núcleo de Atenção ao Desenvolvimento Humano, na zona oeste de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Para efeito de comparação, nos EUA o contato com substâncias alucinógenas se mostra menor, se bem que neste caso o dado se refere a consumo no ano anterior, não ao longo da vida: 2,6%, segundo o Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde de 2021.

A disparidade entre os números pode se explicar por diferenças metodológicas nas pesquisas. Enquanto o Datafolha abriu espaço para respostas espontâneas e múltiplas, os três levantamentos brasileiros citados usaram perguntas específicas sobre LSD, ayahuasca, cetamina e assim por diante.

Além disso, parece haver confusão na terminologia sobre drogas. Para muitas pessoas, o termo "alucinógeno", mais usado anteriormente para designar o que hoje se chama de psicodélicos, pode incluir maconha e álcool, entre outros, talvez por associação como "psicoativos" ou "psicotrópicos".

Psicodélicos são compostos que provocam alterações características da consciência, como distorções na noção do tempo, e da percepção, como manifestações visuais. É o caso do LSD, da mescalina, da dimetiltriptamina (DMT) presente na ayahuasca e da psilocibina de cogumelos –os chamados psicodélicos clássicos, que atuam nos circuitos do neurotransmissor serotonina.

A hipótese de imprecisão terminológica se torna mais convincente quando se esmiúçam os resultados do Datafolha sobre o alto grau de conhecimento de psicodélicos entre entrevistados. Nada menos que 62% de brasileiros maiores de 16 anos dizem já ter ouvido falar dessas substâncias.

É um contingente bem maior que o de 47% dos americanos que declaram ter ouvido alguma coisa sobre psicodélicos em período recente, de acordo com pesquisa publicada em julho pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Supera até os 51% dos que afirmam, lá, ter conexão próxima com psicodélicos (pessoal ou por conhecidos).

Quando se examina a lista de substâncias psicodélicas conhecidas indicadas espontaneamente pelos brasileiros, a confusão fica patente. Verdade que o LSD aparece, corretamente, em primeiro lugar (21%), mas em seguida vem a maconha (17%), que especialistas não costumam arrolar nessa classe (alguns deles, porém, defendem que a cânabis pode ter efeito psicodélico em doses altas).

Aparecem em terceiro e quinto lugar os psicodélicos MDMA (12%) e psilocibina (8%), mas de permeio surge a cocaína (11%) e, depois, o crack (7%), estimulantes que definitivamente não podem ser incluídos na categoria. Também aparecem nas respostas espontâneas drogas não relacionadas como lança-perfume, heroína, álcool, opioides e metanfetamina.

A imprecisão se repete nas substâncias indicadas pelos 10% de entrevistados pelo Datafolha que declaram já ter consumido psicodélicos. As mais citadas são LSD (3% do total da amostra), maconha (3%), cocaína (2%) e MDMA (2%).

Tais achados refletem a noção comum sobre drogas como categoria que enfeixaria substâncias com efeitos e impactos na saúde parecidos, quando não é esse o caso. Psicodélicos clássicos (ou seja, excluindo MDMA) apresentam baixo potencial para dependência química e têm perfil toxicológico mais seguro que cocaína e opioides, por exemplo, capazes de provocar overdoses mortais.

Além disso, substâncias como MDMA e psilocibina despontam em testes clínicos recentes como tratamentos promissores para transtornos da gravidade de estresse pós-traumático e depressão refratária. São condições mentais a infernizar centenas de milhões de pessoas que não encontram alívio nos tratamentos disponíveis.

É o chamado renascimento psicodélico para a medicina. Sua futura provável regulamentação como remédios adjuvantes de psicoterapia, entretanto, pode enfrentar obstáculos erguidos pelo preconceito social que os agrupa na vala comum das drogas perigosas par a saúde e a segurança pública.

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