Descrição de chapéu Artes Cênicas

Entenda como Bibi Ferreira importou os musicais da Broadway para o Brasil

Artista, que faria cem anos, influenciou nomes como Miguel Falabella e tem trajetória narrada em biografia e musical

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A Bibi Ferreira no desfile da Viradouro, no Carnaval de 2003 Leonardo Aversa/Agência O Globo

São Paulo

Um pouco antes de deixar o camarim para entrar no palco, Bibi Ferreira sempre bebia um golinho de café misturado com manteiga. Era para limpar a voz, dizia ela, que, em dias de apresentação, quase não trocava palavras com ninguém.

Isso porque, por trás da pompa glamorosa de estrela, Bibi era cheia de inseguranças e tentava diminuir o nervosismo, criando alguns rituais. É o que mostra "Bibi Ferreira: A Saga de uma Diva", livro de Jalusa Barcellos, lançado nesta quarta-feira, data em que a artista faria cem anos.

Com um nome que provavelmente irritaria a atriz, que com frequência pedia às pessoas que não a chamassem de "diva" —o termo, segundo ela, combina só com "cantoras de ópera"—, a biografia narra a trajetória de Bibi a partir de relatos íntimos que ela mesma deu à autora antes de morrer, em 2019, e mais de cem entrevistas com familiares, amigos e colegas de trabalho da carioca.

Amiga próxima de Bibi e a atriz com quem ela mais contracenou, Barcellos traz também as próprias lembranças das quatro décadas vividas ao seu lado e detalha cada uma das fases da artista, que, nos seus mais de 90 anos de carreira, foi não só atriz, como também bailarina, diretora, cantora, compositora, instrumentista, pintora e apresentadora de TV.

O status de diva, porém, veio mesmo dos musicais que encenou e dirigiu, já que foi ela quem importou o estilo Broadway à cena teatral brasileira, a partir dos anos 1960.

Mulher branca cantando
A atriz Bibi Ferreira faz gesto enquanto posa para o fotógrafo paulistano German Lorca - German Lorca/Divulgação

"Bibi dizia que, na verdade, pensou que não daria certo trazer essa ideia de um ator cantando no meio dos textos", conta Flávio Mendes, maestro que trabalhou com ela durante 15 anos. "Porque até então o que tínhamos [de mais próximo ao modelo de musical americano] era bem diferente, o teatro de revista."

Nesse formato, que também é conhecido como teatro musicado, atores cantam e dançam em esquetes de paródias, quase sempre cômicas e de atmosfera espalhafatosa. São números artísticos dispersos que se entrelaçam num palco, mas não contam uma história unificada.

O grande receio de Bibi ao importar o estilo americano ao país, conta Barcellos, era o de que a cantoria à la Broadway soasse engessada ao público brasileiro e, diante disso, ela tentou conciliar estéticas. Não abandonou completamente o teatro de revista e buscou extrair dele aquilo que considerava ser uma naturalidade musical —além de recursos de cenário e figurino já usados nas peças do gênero—, misturando o estilo à fórmula dos roteiros narrados.

Várias pessoas com figurino ultracolorido atuam num palco
Cena de 'Bibi, Uma Vida em Musical', peça que narra a vida de Bibi Ferreira - Ariel Venâncio

Mas, antes mesmo de começar a realmente encabeçar o filão de musicais nacionais, a carioca, que se dizia fã da Broadway desde os 13 anos, já vinha apostando em montagens de revista chamativas. Exemplo disso é "Escândalos 1950", espetáculo que Bibi ajudou a produzir e em que foi uma das vedetes, conquistando a atenção do público e da crítica –chegaram a dizer que a obra ia além do conceito de teatro musicado.

Barcellos diz que a atriz, embora gostasse de trabalhar em esquetes, já sentia, naquela época, um enorme desejo de cantar, o que fez com que ousasse cada vez mais e fosse parar no filão embrionário dos musicais nacionais.

Como o musical não é um gênero barato —e Bibi torcia o nariz para montagens modestas—, a atriz chegou a se endividar algumas vezes, com empréstimos que fazia. Foi só com uma fama mais consolidada que ela conseguiu fazer investimentos menos apertados.

idosa cantando
A cantora Bibi Ferreira durante ensaio no teatro Renaissance, em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

A relação de Bibi com a Broadway, contudo, não se resume à importação do estilo. Aos 94 anos, a atriz apresentou "4X Bibi", no Symphony Space, em Nova York. Na época, o jornal The New York Times a definiu como "a grande dama do teatro brasileiro".

"É difícil rotular Bibi. Ela fez de tudo. Nasceu consagrada", diz Barcellos, em referência à inusitada trajetória da atriz, que, com só 24 dias de vida, já estava num palco, substituindo uma boneca, que sua madrinha carregava para encenar a peça "Manhãs de Sol".

Com três anos, Bibi estreou como dançarina em Santiago, numa companhia de revista na qual a mãe trabalhava e, aos quatro, entrou para o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde ficou até os 14 anos.

Mas, ao contrário do que muitos podem pensar, ressalta Barcellos, Bibi não tinha lembranças muito carinhosas da infância e dizia ter sido uma criança infeliz, excessivamente pressionada pela mãe e com pouca liberdade.

Foi ao lado do pai, o dramaturgo e ator Procópio Ferreira, que Bibi realmente oficializou sua vida profissional, com o espetáculo "Inimigo das Mulheres", em 1941. Três anos depois, fundou a própria companhia de teatro, em que impulsionou a carreira de atores como Sérgio Cardoso, Henriette Morineau, Cacilda Becker e Maria Della Costa.

Além deles, outros nomes teatrais foram influenciados por Bibi. "Quando tinha oito anos minha avó me levou para ver 'Alô Dolly' e fiquei encantado com a estrutura da peça. Foi naquele momento que decidi o que gostaria de fazer na vida", conta Miguel Falabella, que comandou superproduções como "Os Produtores", "Hebe - O Musical" e "Donna Summer" —esta em cartaz, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.

A ideia de que o Brasil poderia, sim, ser palco de musicais de alto padrão foi plantada por Bibi há 60 anos, com "My Fair Lady". "Antes, existia uma lenda de que musicais jamais dariam certo por aqui. Diziam que não teríamos capacidade de produção e acabamento", diz Charles Möeller, diretor de peças como "Nine -Um Musical Felliniano" e "Cinderella". "Realmente, havia muitas dificuldades, mas Bibi abriu o caminho."

Ainda que o setor tenha passado por grandes mudanças, não é como se vivesse agora um mar de rosas, ressalta Amanda Acosta, que interpreta a carioca em "Bibi, Uma Vida em Musical", que reestreia nesta sex-ta-feira, no teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro.

"Continuamos vivendo num país que não investe em musicais", diz ela. "Não faltam profissionais, mas falta muito incentivo público."

Bibi Ferreira, a Saga de Uma Diva

  • Quando A partir de 1 de junho
  • Preço 1ªedição será gratuita
  • Autor Jalusa Barcellos
  • Editora Batel

Bibi, Uma Vida em Musical

  • Quando De 03 de junho a 31 de julho (sex., às 20h, sáb., às 16h e 20:30h, e dom., às 18h)
  • Onde Teatro Riachuelo (r. do Passeio, 38, Rio de Janeiro)
  • Preço De R$30 a R$ 120
  • Classificação 10 anos
  • Autor Artur Xexéo e Luanna Guimarães
  • Elenco Amanda Acosta
  • Direção Tadeu Aguiar
  • Link: https://bileto.sympla.com.br/event/72240/d/131580
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