Descrição de chapéu violência

Com números divergentes, Exército expõe descontrole sobre dados de furto de armas

Questionada em duas oportunidades, Força dá dados diferentes sobre quantidade de armas que sumiram de 2015 a 2020

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Brasília

Com dados divergentes e informações desencontradas, o Exército não consegue informar com precisão quantas armas foram furtadas ou desviadas de seus quartéis, segundo dados recebidos pela Lei de Acesso à Informação.

A discrepância dos dados foi percebida pelo Instituto Sou da Paz ao refazer, em 2023, o mesmo pedido de informação feito em 2020: acesso aos números de armas de fogo desviadas em organizações militares numa série histórica a partir de 2015.

De acordo com a entidade, o caso expõe um descontrole da Força sobre o assunto e dificulta uma análise aprofundada sobre as razões que levam aos furtos de metralhadoras e fuzis de uso restrito.

Entrada de área militar com os dizeres Arsenal de Guerra
Há exatos três meses, 21 metralhadoras do Exército foram furtadas do Arsenal de Guerra de São Paulo, em Barueri - Paulo Eduardo Dias/Folhapress

Os dados enviados pelo Exército são diferentes em todos os anos. Pelos dados enviados em 2020, os desvios estariam restritos a três armas em 2015, seguida por oito (2016), duas (2017), seis (2018), quatro (2019) e quatro (2020, de janeiro a março).

No segundo pedido, de 2023, os dados foram de 8 (2015), 23 (2016), 5 (2017), 9 (2018), 10 (2019) e 6 (2020).

A maior divergência foi em 2016, de oito para 23 armas. Em todos os anos, os números enviados no pedido de acesso à informação de 2023 foram mais altos.

O Exército ainda respondeu a outras solicitações por dados do mesmo tema de formas diferentes neste ano. Ao jornal O Globo, por exemplo, a resposta da Força traz números na série histórica diferentes dos pedidos de Lei de Acesso à Informação feitos pelo Sou da Paz. As respostas ao jornal carioca e ao instituto foram dadas no mesmo mês.

Em nota, a Força afirmou que todos os casos de extravio, roubo e furto de armas do Exército são investigados, com a instauração de inquéritos policiais militares e processos administrativo. "Sendo assim, os dados numéricos relativos à subtração de armamentos sofrem modificações trazidas no curso das apurações, alterando os registros de controle", disse.

"Cabe destacar que da quantidade de armas extraviadas/roubadas ou furtadas muitas já foram recuperadas, sendo resultado da permanente integração e cooperação do Exército com os demais Órgãos da Segurança Publica."

O gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, avalia que a divergência dos dados é "inadmissível". "É importante que os órgãos de controle passem a exigir do Exército, com mais clareza, sobre esses números. Não é possível que o Exército, com sua responsabilidade, forneça dados tão desencontrados sobre um assunto tão importante como este", completa.

Segundo Langeani, sem dados exatos, a sociedade civil só toma conhecimento de casos específicos de furtos de armas quando eles se tornam públicos pela imprensa.

"Em todos esses casos que ficam públicos, você está falando de desvio que aconteceu com gente de dentro da Força. É muito raro você ter um grupo de fora, de criminosos, que invade o quartel no mínimo sem informação privilegiada de onde estão as armas. Estamos falando de cooptação de gente de dentro do Exército."

Generais e coronéis ouvidos pela Folha afirmaram, sob reserva, que o Exército não possui um sistema informatizado único que reúna este tipo de informação. Geralmente, casos de furtos de armas são comunicados ao Comando do Exército, e as gestões para a recuperação do armamento são feitas pela própria organização militar alvo do desvio em contato com oficiais-generais em Brasília.

Segundo os dados mais recentes enviados pela Força, 198 armas teriam sido desviadas de quartéis do Exército de 2010 a 2023. Desse total, os militares conseguiram recuperar 62% das armas (124).

As 74 armas não recuperadas se dividem em fuzis (38), pistolas (30), espingardas (3), metralhadoras (2) e um fuzil/metralhadora.

Um dos casos mais emblemáticos sobre furto de armas desde a redemocratização foi o sumiço de 21 metralhadoras do Arsenal de Guerra, em Barueri (SP) —que completa três meses nesta quinta (7).

Segundo detalhes da investigação realizada pelo Exército e relatados à Folha, o furto ocorreu nas primeiras horas do feriado de 7 de Setembro, quando o quartel estava esvaziado. O circuito de energia do Arsenal de Guerra foi desligado por alguns minutos, o que desativou as câmeras de segurança e o alarme do paiol, que é acionado por movimento.

Sem o alarme e as imagens, pelo menos três militares teriam atuado diretamente para romper o cadeado que mantinha em segurança o armário em que as armas estavam guardadas. As metralhadoras teriam ainda sido transportadas para um carro do próprio Exército, que as levou para fora do quartel.

O armamento desviado continha 13 metralhadoras .50 —capazes de derrubar helicópteros— e oito de calibre 7,62, comumente usadas por criminosos para ataques a carros-forte.

As armas eram consideradas inservíveis pelo Exército e estavam no Arsenal de Guerra para passar por consertos ou serem descartadas.

O sumiço das armas só foi notado mais de um mês depois do furto, quando, em 10 de outubro, um militar realizou inspeção no paiol. Após comunicar a suspeita para os superiores, o Comando Militar do Sudeste decidiu aquartelar 480 soldados e oficiais por mais de uma semana, para identificar os responsáveis.

O Exército conseguiu recuperar 19 metralhadoras das 21 furtadas, com auxílio das polícias de São Paulo e Rio de Janeiro. As armas haviam sido vendidas para facções criminosas, segundo as investigações.

"Quando a gente faz o comparativo com outras instituições privadas, você consegue imaginar um banco que você desliga a energia e fica sem alarme e câmera? E quando a gente vai para o Exército, que tem essas armas de fogo de alto poder, que trazem risco para a segurança pública e defesa do país, você tem esses controles muito frágeis. Esses são os pontos que ligam um alerta muito grave a partir do caso de Barueri, que não é um caso isolado", comparou Bruno Langeani.

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