Descrição de chapéu Obituário Nica Band (1937 - 2024)

Mortes: Libertária e anárquica, deixa legião de órfãos

Em torno da cozinha, Nica Band formou gerações com seu estilo iconoclasta e desbocado

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São Paulo

Coxa ou sobrecoxa?

Nica Band morreu como viveu: preparando mais uma festa em sua casa para reunir familiares e amigos queridos, no que chamou de "Réveillon, Ainda que Tardio", que aconteceria no dia 3 de fevereiro próximo.

Em meio à discussão do cardápio –seria frango, mas qual parte do frango?–, na última terça (23), sofreu um choque cardiogênico fatal. Conforme sua saúde se debilitava, nos últimos anos, passou a aumentar a frequência e a lista de convidados das festas.

À sua filha, Elisa, falou que queria celebrar muito e mais porque sabia que seu "número na lista de chamada já estava baixo". "Tive uma boa vida, muitos amores, fiz tudo o que quis", confidenciou a ela, na preparação de um desses eventos.

NICA BAND
Nica Band (1937-2024) - Leitor

Gregária, transformou suas casas em pontos de reunião e moradia para desgarrados em geral. Foi assim nos anos 70, em lendárias reuniões no apartamento no Louvre, centro de São Paulo, em que proscritos pela ditadura militar se uniam a ela e ao então marido, Sylvio Band, para ouvir o último disco de Chico ou Caetano e ler e discutir livros proibidos.

Continuou nas casas das ruas Monte Alegre e São Bartolomeu e nos apartamentos das ruas Piauí e Vitorino Carmilo. Ou nas épicas viagens à praia da Baleia, no litoral norte paulista, para onde levava a acampar no verão no terreno da família sobrinhos e agregados, um exército de pequenos brancaleones que se banhava na bica e destoava do luxo dos vizinhos.

Nesses endereços e viagens, em torno da cozinha, Nica formou gerações com seu estilo libertário, anárquico, iconoclasta e desbocado. Deu educação anticapacitista a seu filho, Sacha, antes que a palavra fosse inventada e o conceito, disseminado na causa das pessoas com deficiência.

Formada em química industrial na faculdade Osvaldo Cruz, foi fotógrafa, corretora, vendedora de joias, criadora de chinchila, produtora musical, fez artesanato, teve fábrica de pantufas e cozinha de congelados e vendeu xales que criava em tear manual.

Era fã de Freddie Mercury e leitora de romances policiais de Agatha Christie e Ellery Queen. Foi inspiração de uma peça que levava seu prenome, monólogo que rendeu à filha dramaturga o prêmio Nascente da Universidade de São Paulo (USP), em 2023.

Inseparável da irmã Lucy e da prima Vera, ao morrer, aos 86 anos, Nica realizou seu último feito: sendo mãe de dois filhos, deixa dezenas de órfãos. (E o "Réveillon, Ainda que Tardio" vai acontecer, agora como uma homenagem póstuma a ela.)

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