Mesmo com o avanço da tecnologia, Maria Norma Colares de Serra trocava cartas. A poeta, que achava o termo "poetisa" diminutivo, brincava com as palavras e também se dedicava às artes visuais. Colhia folhas, palhas e outros materiais para suas obras.
"A gente dizia que estava trazendo lixo para casa, mas ela dizia que tudo poderia se transformar", lembra a filha Taua Colares, 44.
A vida de artista trouxe dificuldade financeira, mas nunca dúvidas. A filha recorda um dia em que estava com fome e que a mãe foi a um restaurante. Ali fez um recital para passar o chapéu. "Eu aprendi com o tempo a respeitar suas escolhas."
Nascida em Fortaleza, em 1948, Maria Norma viu nos estudos o caminho para fugir dos padrões impostos às mulheres na época. Formou-se em ciências sociais na UFC (Universidade Federal do Ceará) e se especializou em desenvolvimento regional na UFPA (Universidade Federal do Pará).
Sua vida foi entre as artes e os movimentos sociais, paixões que a levaram para outras cidades, como Belém, Brasília, Manaus e Recife. "Mamãe era uma cigana, uma nômade por natureza", diz Taua.
Na capital federal, nasceu Taua, em 1979. Na do Amazonas, foi diretora de espaço cultural, professora universitária e estudou povos indígenas. Amiga do ambientalista Chico Mendes (1944-1988), fez trabalhos sociais em comunidades.
Foi em Manaus que conheceu o chileno Alberto Serra Gusmão. Exilado da ditadura de Pinochet, era outro nômade, poeta e professor. Casaram-se em 1987 e, no ano seguinte, nasceu Tamara, a filha mais nova. Ficaram juntos até 2003, quando ele morreu.
No Ceará, alfabetizou adultos em Maranguape, atuou no Conselho Cearense de Direitos da Mulher e no Grupo de Apoio à Prevenção à Aids. Esse envolvimento a fez entrar na política. Foi filiada ao PT, ao PC do B e apoiou o PSOL.
Norma tinha uma rotina saudável, fazia trilhas, parou de fumar e de comer carne. Mas, em 2022, após ir à emergência por dores provocadas por chikungunya, um raio-x identificou um nódulo no pulmão. Exames diagnosticaram câncer.
O tratamento reduziu o tumor em 70%, mas no último ano teve metástase e ficou acamada.
Amigos ajudaram a concluir seu livro, o "Pequeno Grande Livro de História da Palavra Havia". A autora se emocionou com o primeiro exemplar, mas não deu tempo de lançá-lo. Morreu em 18 de novembro, aos 75 anos, por insuficiência respiratória. As filhas buscam recursos para a publicação da obra.
Maria Norma não queria um velório comum, pediu uma festa com música, teatro, comida e bebida. Seu "festório" foi no jardim do Theatro José de Alencar, em sua cidade natal.
Seu corpo foi cremado, e as cinzas, jogadas nas dunas da praia. "Onde o rio encontra o mar", indicou. Seus pertences foram doados, como pediu.
Deixa as filhas Taua, 44, e Tamara, 34, e os netos Thayna, 28, Kleber, 21, Lucas, 16, Caio, 12, e Benjamin, 5.
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