Aeroportos investem em aves de rapina, rojões e laser para evitar choques com animais

Só nos dois primeiros meses deste ano foram reportadas no país 451 colisões; risco é maior em decolagem e pousos, diz especialista

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Pedro Henrique Godinho Mendes, 25, com o gavião-asa-de-telha Radar, que é treinado para espantar pássaros que possam ameaçar aviões no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP) Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

O comandante de um jato retornou ao aeroporto de Viracopos, em Campinas (a 90 km de São Paulo), de onde havia partido 22 minutos antes para Uberlândia (MG), no último dia 3, com um amassado próximo ao nariz da aeronave. O avião havia atingido um pássaro após a decolagem e, por precaução, o piloto voltou. No local do choque havia marcas de sangue.

Para tentar diminuir o alto número de colisões entre aeronaves e fauna, aeroportos têm investido na contratação de biólogos, veterinários e engenheiros agrônomos, utilização de cães e aves de rapina e adoção de recursos como drones, sirenes, raio laser, fogos de artifício, canhões de gás e até chicotadas no asfalto.

Essas ocorrências preocupam há anos, tanto que em 2012 foi promulgada uma lei federal com regras e determinações a administradores de aeroportos e municípios para tentar diminuir o volume de acidentes.

Somente nos dois primeiros meses deste ano, 451 colisões entre aeronaves e animais nas áreas de aeroportos e aeródromos no país acabaram reportadas oficialmente a autoridades —na média, foram quase oito por dia. Do total, 414 envolveram aves.

Os dados fazem parte do Painel Sipaer, de ocorrências aeronáuticas, desenvolvido pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), órgão ligado à FAB (Força Aérea Brasileira), pelo Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) e pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Eles envolvem casos que provocaram algum tipo de dano estrutural à aeronave.

Colisões com aves e outros animais são os casos mais comuns. Apenas em fevereiro deste ano, 72% de todos os reportes envolviam esse tipo de ocorrência —foram 257 de um total de 357 registros, que também incluem falha de motor ou saída de pista, entre outros.

A comparação com anos anteriores é prejudicada porque em agosto de 2023 houve mudança no sistema de notificações, que passou a ser unificado às demais ocorrências e inclui todos os tipos de animais. Pelo sistema antigo, no ano passado ocorreram 3.270 desses choques.

Apenas a Latam registrou 563 casos de "bird strike" (como essas colisões são chamadas em inglês) em 2023. "Afetou milhares de passageiros devido a voos cancelados ou atrasados e provocou um custo adicional com reparos e manutenção de aeronaves e motores fora de operação", diz a empresa, sem citar valores.

Mas, enquanto houver pássaros e aviões no céu, vai existir a chance de colisões, afirma o comandante Diego de Alexandrino Barrionuevo, 46, que pilota aeronaves comerciais de grande porte e é diretor jurídico do Sindicato Nacional dos Aeronautas. Ele diz que os riscos são maiores nas fases críticas do voo, na decolagem e no pouso.

Estatísticas do Cenipa, publicadas na última edição do Anuário do Risco de Fauna, de 2022, mostram que 26% das colisões ocorreram durante estacionamento, taxiamento ou decolagem e que 33,2% foram no pouso.

Em um caso clássico de 2009, que virou filme, o piloto de um Airbus A320, da US Airways, fez um pouso de emergência no rio Hudson, em Nova York, por causa do choque com gansos que pararam os dois motores do avião, apenas seis minutos após decolar. Os tripulantes e os 150 passageiros sobreviveram.

Mesmo longe do ranking dos locais mais afetados, a gestão de Congonhas, na zona sul de São Paulo, contratou quatro biólogos terceirizados, que desde o início deste ano desenvolvem planejamento e ações contra a presença de pássaros e animais domésticos.

Em 2022, foram 4,11 colisões para 10 mil movimentos de pousos e decolagens, contra 46,5 do aeroporto Presidente Castro Pinto, em João Pessoa (PB), o maior índice entre as capitais na época, segundo o Cenipa.

O investimento, explica Diógenes Barbosa Araújo, coordenador corporativo de meio ambiente da Aena Brasil, concessionária responsável por Congonhas e mais 16 aeroportos no país, torna-se necessário pela magnitude do local –em média, cerca de 60 mil pessoas embarcam e desembarcam diariamente.

Com dificuldade para acessar a pista, por causa do grande volume de aviões, a equipe utilizará projeção de laser próximo aos locais com pássaros, chicotes para fazer barulho no chão e drones para aperfeiçoar a fiscalização. Atualmente, há carros com sirene estridente "que incomoda e afugenta aves".

"Sítio aeroportuário é um parque de diversões para bichos. É uma área aberta que tem água, grama, frutas, árvores e poleiros. Eles querem estar aqui o tempo todo", diz Araújo.

A bióloga Cláudia Oliveira de Almeida afirma que são feitas três vistorias por dia em Congonhas para saber se há aglomeração de pássaros ou a presença de qualquer outro animal, inclusive domésticos.

Periodicamente é vistoriado, por determinação da Anac, um raio de 20 km do aeroporto, chamado de Asa (Área de Segurança Aeroportuária), que no caso de Congonhas inclui 13 municípios, para saber, principalmente, se há focos de lixo que atraiam bichos —nesse caso, prefeituras são alertadas.

"Por lei, prefeitos, autoridades ambientais e operadores de aeroportos têm responsabilidades [quanto à fiscalização]", explica Marcel Moure, coronel da reserva da Força Aérea e CEO da Redevoa, concessionária responsável por 16 aeroportos no interior paulista.

A Aeroportos Brasil, dona da concessão de Viracopos, promove palestras para crianças em escolas de Campinas e municípios vizinhos para ensinar a descartar lixo corretamente.

Dentro do aeroporto, o veterinário Pedro Henrique Godinho Mendes coloca diariamente Radar, um gavião-asa-de-telha, para voar e espantar pássaros em áreas mapeadas.

"Ela não ataca, apenas afugenta", afirma ele, sobre a ave de rapina de 3,5 anos de idade que mora em um viveiro próprio para ela no local.

Pires é 1 dos 6 profissionais, entre veterinários e biólogos, de uma empresa terceirizada contratada. Viracopos também utiliza cães e fogos de artifício, entre outros.

Falcoaria, uso de aves de rapina como falcões e gaviões, é comum no país. Também disseram à reportagem que adotam a técnica os aeroportos do Galeão (RJ), de Confins (MG) e de Recife (PE), que treinou sua própria ave de rapina para se adaptar ao ambiente.

No Galeão são quatro gaviões e dois falcões, além de 16 profissionais, entre biólogos, engenheiros agrônomos e veterinários. "O resultado é a redução de incidentes em 34% entre 2015 e 2023", afirma a concessionária RIOGaleão.

Na região de Belo Horizonte, a BH Airport conta com uma comissão de gerenciamento de risco da fauna. Além dos profissionais e falcoaria, utiliza cães.

No ano passado foram capturados 266 animais, soltos depois em áreas de preservação longe do aeroporto, de acordo com regras de manejo. Também ocorreram 11,2 mil dispersões de fauna.

A estatal Infraero não utiliza falcoaria nos locais que administra.

Em Guarulhos, na Grande São Paulo, maior aeroporto do país, entre as medidas adotadas estão monitoramento das espécies na área operacional e seus atrativos, manejo de ovos e ninhos, controle de vegetação, remoção de poleiros e abrigos, além de afugentamento que não envolvem animais.

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