Briga entre prefeitura, Enel e empresas trava ônibus elétricos em SP

Gestão Nunes diz que concessionária cobra quase R$ 1,6 bi para fazer obras de infraestrutura; impasse impede compra de 2.600 veículos

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São Paulo

Uma disputa entre a Prefeitura de São Paulo, empresas de transporte e a Enel tem impedido a implementação de ônibus elétricos na cidade. A briga tem como foco a construção da infraestrutura necessária para que os veículos possam ser carregados e consigam rodar na cidade.

Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), a concessionária de energia orçou em R$ 1,6 bilhão o gasto necessário para realizar as obras —procurada, a Enel não quis comentar sobre o valor. As companhias de ônibus dizem não ter dinheiro para pagar e conta.

A SPTrans, estatal responsável pelo transporte público municipal, disse já ter negociado com fabricantes a compra de 2.600 modelos movidos a bateria, o equivalente a 20% de toda a frota atual. Mas sem a garantia de que a infraestrutura elétrica de carregamento será feita, a compra não pode ser concluída.

Frota de 50 novos ônibus elétricos perfilados em frente ao estádio do Pacaembu; agora,  são 270 veículos elétricos em circulação pelas ruas de São Paulo; meta da Prefeitura é chegar a 2.400 deste tipo até o fim de 2024
São Paulo tem 84 ônibus elétricos, e a meta da prefeitura é encerrar 2024 com 2.600 modelos - Divulgação/SPTrans

A cidade tem hoje apenas 84 ônibus movidos a bateria, e a meta de Nunes é adquirir exatamente mais 2.600 até o fim do ano.

Para isso, a prefeitura fez empréstimos de R$ 5,7 bilhões junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco Mundial, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. A verba então deveria ser usada para a compra dos veículos, que seriam repassados para as companhias de ônibus que atendem o município. Os gastos com infraestrutura, porém, não estão incluídos no valor, o que travou todo o processo.

"A nossa meta está de pé, tanto que a gente buscou financiamento internacional para viabilizar a aquisição dos veículos. O único ponto, hoje, dificultoso, é a infraestrutura nas garagens por causa da distribuição de energia elétrica", afirma Gilmar Pereira Miranda, secretário-executivo da pasta de Transporte e Mobilidade Urbana da cidade.

De acordo com especialistas, o processo de eletrificação é complexo, principalmente devido a oferta de energia na rede externa às garagens, sob responsabilidade da Enel na capital.

Um estudo publicado pela ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) aponta que as garagens precisam de adequação, com a criação de áreas específicas para esse tipo de veículo, para o estacionamento dos ônibus e o carregamento das baterias, com cobertura, maior distanciamento entre os coletivos, equipamentos próprios, isolamento de piso e a inclusão de profissionais com formações específicas.

"A depender do volume de carregadores implantados e utilizados de forma simultânea, será necessário que a subestação possua alta tensão", afirma o documento, alertando para a necessidade de investimentos para além dos limites da garagem e do terminal.

De acordo com o secretário Miranda, a Enel X (braço da concessionária que atua na área de mobilidade) orçou em R$ 1,6 bilhão a implementação de rede elétrica com capacidade para abastecer os ônibus nas dezenas de garagens do município.

Conforme o secretário Miranda, a gestão Nunes previa gastar aproximadamente R$ 650 milhões com as obras feitas pela Enel X. "Pensando agora em R$ 1,6 bilhão, é um valor extremamente elevado, a gente estava trabalhando com um número inferior que eles [Enel] tinham nos passado como referência", disse o secretário.

"Ela [Enel] é uma concessionária que detém o monopólio da distribuição de energia, não tem para onde fugir", prosseguiu Miranda.

Procurada pela Folha, a empresa disse que a definição do valor final ainda depende da solução a ser adotada em cada ponto. Afirmou ainda que tem feito reuniões com operadores de ônibus, com acompanhamento da SPTrans.

"A instalação da infraestrutura necessária (tanto de carregamento quanto de conexão à rede elétrica da distribuidora) dependerá da solução escolhida pelos operadores e da assinatura dos respectivos contratos bilaterais, seja com a Enel X ou outras empresas que atuam nesse mercado de mobilidade elétrica", disse a empresa. "Para cada tipo de solução há prazos diferentes (alguns imediatos, outros de média duração) que sempre são sinalizados para os operadores."

Por contrato, deveria caber às empresas de ônibus pagar pelo serviço, mas os empresários disseram para a prefeitura que não dispõem do dinheiro. Até o momento, a Enel diz que instalou a rede em quatro garagens, com capacidade para abastecer 50 ônibus elétricos.

O dono de uma dessas empresas, que tem menos de 200 veículos, disse à reportagem sob anonimato que irá trocar 10% da sua frota. Mas que, para dar sequência na substituição pelo elétrico, precisará de uma subestação, o que considera economicamente inviável.

A SPUrbanuss (sindicato que representa as empresas de ônibus) disse, em nota, que a "eletrificação dos 13 mil ônibus tem muitos desafios estruturais, financeiros, técnicos" e que "vem acompanhando as iniciativas".

A Transwolff, empresa que opera na zona sul de São Paulo e dona da maioria dos ônibus movidos à bateria no município —são 78 ao todo, sendo que 44 rodam atualmente e 34 estão à espera de documentos —afirma que existem dificuldades financeiras para as mudanças.

"São aparelhos muito caros e o retorno do capital investido pela SPTrans é feito a longo prazo", afirmou a companhia, em nota, sem especificar quanto gastou para montar uma estrutura que, segundo ela, tem capacidade para carregar as baterias de cem veículos.

A Transwolff afirmou ter uma subestação exclusiva para abastecer a frota elétrica, a partir de estudos técnicos da Enel e que todos os investimentos em infraestrutura estão sendo feitos com recursos próprios.

A estrutura da empresa em média tensão, com capacidade de 4.4 MG/W, tem 15 carregadores em corrente alternada e 8 duplos, em corrente contínua, que dobra o número de veículos que podem ser carregados ao mesmo tempo.

A meta de trocar 20% da frota atual por veículos elétricos começou a ser desenhada em 2019, na gestão de Bruno Covas (PSDB), e virou um dos temas prioritários de Nunes, que tentará se reeleger neste ano.

No ano passado, a Enel X comprou quase 50 ônibus e os revendeu às empresas por meio de leasing —espécie de aluguel de bens com opção de compra ao final do contrato. Depois, foi a prefeitura quem passou a adquirir e repassar os veículos às empresas, por meio do modelo de subvenção.

A relação entre prefeitura e concessionária ficou desgastada depois do apagão que atingiu a cidade em novembro. A gestão Nunes chegou a entrar na Justiça contra a empresa devido aos problemas.

A reportagem teve acesso ao projeto de infraestrutura para a cidade. O documento divide o processo de implementação em plano imediato, curto, médio e longo prazo.

O plano imediato, por exemplo, consiste na instalação de 18 carregadores em 11 pontos de operação, sem a necessidade de obras na rede de distribuição. Essa etapa deve ser concluída em 45 dias.

Já o plano de longo prazo pode durar de quatro meses a um ano e meio, com a necessidade de realizar obras nas garagens e no sistema de distribuição para instalações de alta tensão.

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