Descrição de chapéu Folhajus violência

Corte Interamericana condena Brasil por Operação Castelinho da PM, que deixou 12 mortos em SP

Estado de SP deverá reconhecer mortes, indenizar famílias e reforçar uso de câmeras

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São Paulo

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro pela ação da Polícia Militar de São Paulo na chamada Operação Castelinho, que deixou mortos 12 supostos integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital). A responsabilização é a primeira para o estado de São Paulo.

O caso aconteceu em março de 2002, sob o governo Geraldo Alckmin (então no PSDB, hoje no PSB). Os PMs aguardaram no pedágio da rodovia Senador José Ermírio de Moraes, conhecida como Castelinho, até que um ônibus com os supostos membros da facção criminosa se aproximasse. Mais de 700 disparos foram feitos pelos policiais.

A Corte declarou que o Brasil é responsável pela violação dos direitos à vida, às garantias judiciais, à proteção judicial, à verdade, ao cumprimento de decisões judiciais e à integridade individual. Também responsabilizou o Estado brasileiro por falhas nas investigações.

Policiais militares na cena da operação Castelinho, que matou 12 supostos integrantes do PCC, em rodovia de São Paulo - Moacyr Lopes Junior - 5.mar.2002/Folhapress

De acordo com a sentença, o estado de São Paulo deverá reconhecer publicamente as execuções da operação Castelinho. Além disso, deve garantir o registro e o envio de imagens de câmeras corporais em operações policiais a órgãos de controle interno e externo e implementar geolocalização em viaturas.

Procurado, Alckmin disse, em nota da vice-presidência, que a Justiça brasileira não reconheceu abusos ou ilegalidades na operação. "Mas há de prevalecer sempre a cautela e o efetivo respeito aos direitos humanos. Nesse sentido, são sempre imprescindíveis as decisões da Corte Interamericana, que o Brasil deve apoiar e acatar."

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um tribunal autônomo vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos). O tribunal faz parte de um sistema regional de promoção e proteção dos direitos humanos, com 20 países signatários —o Brasil entre eles. Sentenças não cumpridas, no entanto, não geram penalização ao Estado condenado.

A Defensoria Pública de São Paulo, que representa 43 familiares de vítimas, pedia, além da responsabilização do Estado brasileiro, medidas de reparação às famílias e reforço no controle da segurança pública.

Na decisão, a corte também determina que SP crie regras para que policiais envolvidos em ações com mortes sejam afastados temporariamente de funções ostensivas até que seja garantida a possibilidade de retorno, segundo comissões internas e corregedoria.

Também deve ser suprimida a competência de investigação da PM para apurar delitos supostamente cometidos contra civis.

"Só o reconhecimento de que o estado é responsável por essas mortes 20 anos depois, e de uma forma parecida com o que tem acontecido nas operações na Baixada [Santista], já é significativo", disse a defensora pública Cecília Nascimento, que acompanha o caso. "As famílias esperam há 20 anos por uma resposta, foram chamadas de criminosas e nem tiveram apoio do estado."

Para ela, a citação às câmeras reforça o papel dos dispositivos no controle e na transparência da atividade policial.

A condenação na corte acontece em meio a críticas sobre o aumento da letalidade da PM de São Paulo. Operações da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), como a Escudo e a Verão, ambas no litoral paulista, já superaram outras ocorrências violentas no estado e ficam atrás apenas do massacre do Carandiru, em 1992, que deixou 111 mortos.

Tarcísio disse na última sexta (8) que não está "nem aí" para a escalada da violência e as denúncias de abusos cometidos durante a Operação Verão, a mais recente. "Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí", afirmou.

Procurada por email e telefone para comentar as medidas determinadas pela corte para o estado de São Paulo, a Secretaria da Segurança Pública do governo Tarcísio não respondeu até atualização mais recente deste texto.

Na Operação Castelinho, os cinco minutos de tiroteio ocorreram por volta das 7h30, e um soldado da polícia foi ferido. Foram 100 agentes envolvidos, alguns deles disfarçados em cabines de pedágio, e havia 17 suspeitos no ônibus. Cinco fugiram, e o restante morreu.

À época, o diretor do Deinter - 7 (Departamento de Polícia do Interior) da Polícia Civil disse à Folha que não haveria investigação.

O Ministério Público, por sua vez, chamou a operação de emboscada, e a investigação do órgão apontou que os policiais deram um fim às fitas das gravações do circuito de segurança.

A Promotoria chegou a indiciar 53 PMs sob acusação de homicídio triplamente qualificado. A Justiça, contudo, entendeu que os agentes agiram no estrito cumprimento do dever e, por isso, decidiu não levá-los a júri.

A ONG Human Rights Watch afirmou, em comunicado, que o governo brasileiro deveria adotar medidas para cumprir as decisões da corte. Além do caso de Castelinho, o tribunal também responsabilizou o Estado brasileiro pela morte de Antonio Tavares Pereira, integrante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) do Paraná, em 2000.

"As decisões da Corte Interamericana são sobre casos que aconteceram há mais de 20 anos, mas o problema do uso ilegal da força letal pela polícia continua até hoje", disse César Muñoz, diretor da Human Rights Watch.

Pereira morreu atingido por uma bala durante um confronto entre a Polícia Militar do Paraná e integrantes do MST, na BR-277, próximo a Curitiba.

O inquérito policial para apurar a morte foi arquivado. A decisão da Justiça Militar baseou-se em parecer do Ministério Público e em laudo pericial que indicou que o tiro disparado pelo PM Joel de Lima Santa Ana ricocheteou no chão antes de atingir Pereira, o que descaracterizaria a intenção de matar.

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