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Saidinha de presos: por que autor do texto original quer 'rasgar projeto e começar de novo'

Um projeto de lei que acaba com as saídas temporárias de presos em todo o país deve ser votado em breve na Câmara dos Deputados, após 13 anos de tramitação

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Felipe Souza
São Paulo | BBC News Brasil

Um projeto de lei que acaba com as saídas temporárias de presos em todo o país deve ser votado em breve na Câmara dos Deputados, em Brasília. O texto original passou por diversas comissões e sofreu mudanças significativas nos 13 anos em que tramita no Congresso.

A primeira, na própria Câmara, em 2022, previa acabar com a chamada saidinha por completo. No Senado, em fevereiro de 2024, foi aprovado um texto mais flexível, com proposta do senador Sergio Moro (União Brasil-PR), que permite que os detentos que estão no regime semiaberto deixem as unidades para fazer cursos profissionalizantes e ensino médio ou superior.

Em entrevista à BBC News Brasil na segunda-feira (19/3), o autor do projeto de lei, de 2011, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), afirma que o novo texto desvirtua da proposta original.

Homem pilotando moto na frente da Penitenciária 2 de Tremembé, no interior de São Paulo
Deputado autor do projeto de lei da saidinha diz que alterações fizeram o texto 'piorar muito' - Getty Images via BBC

"Eu não concordo com esse texto. O projeto piorou muito. Acho que a gente vai acabar com a saída temporária que é usada como um mecanismo de ressocialização e de oportunidade para o apenado que vai voltar para casa", diz o deputado.

Pedro Paulo argumenta que qualquer preso "só não volta para casa se morrer na prisão porque não temos pena de morte". E argumenta que a saidinha deve ser adotada para que ele volte a viver aos poucos em sociedade.

"A saidinha (tem que ser observada) sob esse aspecto da ressocialização ao ambiente comunitário, à sua família, à sociedade que ele vai conviver quando terminar a pena. Por isso é um erro o projeto do jeito que está", diz.

Atualmente, todos os detentos em regime semiaberto podem sair até cinco vezes (por até cinco dias cada uma) ao ano para visitar a família.

Nesses 13 anos em tramitação, o texto proposto por Pedro Paulo passou por diversas comissões e uma votação na Câmara em agosto de 2022, antes de seguir para o Senado.

No mês passado, o Senado aprovou o projeto com 62 votos favoráveis, dois contra e uma abstenção. O texto voltou agora para a Câmara após a Casa aceitar duas mudanças propostas pelo senador Sergio Moro.

Em documento assinado na quinta-feira (14/3), o relator do projeto, deputado federal Guilherme Derrite (PL-SP), disse que concorda com as alterações e prometeu celeridade na votação. Na segunda (19/3), uma reunião de líderes, na qual são decididas as prioridades de votação, definiu que o projeto seria colocado em pauta imediatamente.

O texto entrou na pauta no mesmo dia, mas não chegou a ser votado. No entanto, os deputados ouvidos pela reportagem dizem que a votação. A previsão é que isso ocorra até quinta-feira (21).

"Minha proposta é rasgar esse projeto e começar um novo", diz Pedro Paulo, autor do texto original sobre saidinhas - Divulgação

O autor original do texto, deputado Pedro Paulo, diz que a intenção dele ao propor o projeto era implantar critérios mais rígidos para permitir as saidinhas, não acabar com o benefício. Uma das sugestões era a exigência de uso de tornozeleira eletrônica para todos os casos e exames criminológicos para atestar que o detento tem condições de sair.

Outro ponto era vetar o benefício a pessoas que cumprem pena por crimes hediondos, como homicídio, tortura e latrocínio.

"A intenção é ter critérios para não ter episódios como o do Rio de Janeiro no qual você coloca em saidinha chefes de organizações criminosas. Ou ainda criminosos potenciais, que é o caso de Minas Gerais, no qual o sujeito saiu e matou um pai de família", afirma Paulo.

O deputado afirma à reportagem que o Congresso se baseia em números que mostram "uma quantidade ínfima" de crimes cometidos durante as saidinhas para justificar o fim do benefício. Segundo ele, apenas 0,73% das pessoas que não retornaram das saídas temporárias cometem algum delito.

"Esse novo texto está punindo um universo de apenados que têm direito ao benefício. Você está num tsunami de energia conservadora e uma cegueira legislativa. Todo mundo querendo votar com o fígado e sem olhar para os números."

Com esse cenário, o deputado Pedro Paulo diz que se vê diante de um dilema.

"Minha proposta é rasgar esse projeto e começar um novo, pois não cabe mais emendas para a correção no mérito. Contudo, a essa altura, é quase impossível que aconteça. Portanto, regimentalmente, só temos duas opções: se votar contra, voltamos ao texto aprovado na Câmara em 2022 (mais duro, que acaba com qualquer saída temporária). Se votar sim, mantemos o texto do Senado, que é muito ruim, mas menos radical".

Ao ser questionado pela reportagem sobre qual escolherá, ele mantém o mistério: "Difícil".

O que prevê o projeto?

Detento com mãos próximas a tornozeleira eletrônica instalada no tornozelo direito dele
Lei deve se chamar Sargento PM Dias, em homenagem a policial morto por homem que foi beneficiado por saidinha neste ano - Getty Images via BBC

Além de restringir as saidinhas apenas aos estudos, o projeto de lei prevê que sejam feitos exames criminológicos para que os detentos tenham progressão de pena, como passar do fechado para o semiaberto. Neles, são avaliados a saúde física e as condições neurológicas, psiquiátricas e sociais do preso.

Dessa maneira, o condenado só terá o direito de estudar fora da unidade onde está preso se ele tiver um histórico de bom comportamento, atestado pelo diretor do presídio e por esses exames.

Mesmo que o interno tenha todos esses pontos aprovados, ele não terá a saidinha aprovada para fazer cursos profissionalizantes, ensino médio ou superior caso cumpra pena por ter cometido um crime hediondo, que tenha envolvido violência ou grave ameaça à vida de outra pessoa.

Durante a saidinha, também será obrigatório o uso de tornozeleira eletrônica para garantir que ele seja monitorado. Isso garantirá que ele não saia da área indicada para os estudos.

A proposta é que a lei se chame Sargento PM Dias, em homenagem ao policial militar morto em Minas Gerais, citado pelo deputado. Esse PM foi morto por um homem que foi beneficiado pela saidinha no início deste ano.

Na ocasião, o criminoso atirou e matou o policial que o perseguia.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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