Descrição de chapéu ministério público pcc

Operação mira empresas de ônibus de SP suspeitas de ligação com PCC; prefeitura assume linhas

Promotoria afirma que Transwolff e Upbus lavavam dinheiro da facção; quatro pessoas foram presas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Duas empresas de ônibus que atuam no transporte público de São Paulo foram alvo de uma operação do Ministério Público que apura suspeitas de ligação com a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

A ação nesta terça-feira (9) cumpriu 3 de 4 mandados de prisão e visava realizar outros 52 de busca e apreensão contra dirigentes das companhias Transwolff e Upbus, responsáveis pelo transporte de ao menos 700 mil passageiros diariamente na capital paulista e que receberam mais de R$ 800 milhões de remuneração da Prefeitura de São Paulo em 2023, segundo a Promotoria.

Diversas armas apreendidas durante a operação - Reprodução/TV Globo

A Justiça determinou que a SPTrans, empresa municipal de transporte, assuma a operação das linhas administradas pelas duas empresas. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) dois diretores do órgão como interventores das companhias. Eles já estavam nas sedes das empresas pela manhã, e a segurança das garagens foi reforçada pela Polícia Militar.

A Folha acionou as empresas na manhã desta terça, mas até a noite não havia recebido resposta.

O objetivo da operação, chamada Fim da Linha, é desarticular duas organizações suspeitas de lavar dinheiro proveniente do tráfico de drogas, roubos e outros crimes.

Foram presos Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, dono da Transwolff, o sócio Joelson Santos da Silva e Robson Flares Lopes Pontes, dirigente da empresa. Elio Rodrigues dos Santos, secretário da empresa, foi preso em flagrante por porte ilegal de arma durante as buscas.

O quarto alvo da operação continua foragido. Silvio Luiz Ferreira, conhecido como Cebola, é considerado uma liderança do PCC. Em 2022, ele foi apontado como dono de 56 ônibus da UPBus.

A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos presos.

O promotor Lincoln Gakiya, integrante do Gaeco (grupo do Ministério Público contra o crime organizado), que atuou na coordenação da operação, classificou o afastamento dos diretores das empresas por ordem judicial como uma "medida inédita". Ele também ressaltou que Transwolff e Upbus não são as únicas empresas de ônibus investigadas.

"Existem, sim, outras empresas [sobre as quais] já há inquérito policial instaurado pela Polícia Civil, com acompanhamento do Gaeco, inclusive. Provavelmente chegarão ao mesmo desfecho quando as investigações chegarem a seu término", disse Gakiya, durante entrevista coletiva.

O promotor afirmou que um dos pontos mais graves encontrados pela investigação é a infiltração do PCC na prestação de serviços públicos, além de indícios de formação de cartel.

"Há indícios claros de cartelização desse setor", afirmou. "Essas duas empresas detêm a exploração de linhas importantes, e só tinha um proponente nessas licitações."

Questionado, ele afirmou que a investigação não encontrou indícios de atuação criminosa de funcionários públicos ou de políticos.

Os 52 mandados de busca e apreensão tinham como alvo 39 pessoas físicas e 13 empresas. Do total, 41 alvos (entre empresas e pessoas suspeitas) estão da cidade de São Paulo. Os demais são de Barueri, Cotia, Guarujá, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itaquaquecetuba, Itu, Mauá, Santana de Parnaíba, São Bernardo do Campo e São José dos Campos. Foram bloqueados bens de 28 empresas, ao todo.

A operação foi realizada pelo Gaeco em parceria com Polícia Militar, Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e Receita Federal.

Contadores faziam assessoria para o crime, diz Promotoria

Nas investigações preliminares que subsidiaram a atuação do Ministério Público no caso, a Receita identificou a utilização de diversos esquemas tributários para lavagem de dinheiro do crime organizado.

Os esquemas contaram com a participação de contadores experientes que viabilizaram métodos complexos para a lavagem de dinheiro. Eles disfarçavam a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores oriundos de atividades criminosas. Esses contadores também são alvo da operação.

A Receita Federal verificou, por exemplo, realização de dezenas de operações de compra e venda de imóveis e de bens de luxo. Essas transações eram feitas por uma rede de holdings, empresas de participação e revendedoras de veículos de propriedade de pessoas relacionadas aos contribuintes investigados.

Infográfico explica como o esquema funcionava - Divulgação/Receita Federal

Além disso, segundo a apuração, as empresas fraudavam suas prestações de contas para conseguir participar das licitações do serviço de ônibus. O órgão fiscal identificou que ao menos R$ 25 milhões em débitos de tributos federais foram objeto de compensações tributárias fraudulentas realizadas por uma das empresas. Após as compensações, a empresa conseguia obter Certidões Negativas de Débitos, documento indispensável para participar de licitações.

"Os indícios demonstram tratar-se de uma rede de empresas interligadas por operadores principais, pessoas de confiança e ocultadores profissionais de bens, nos quais bens e valores adquiridos sem origem são ocultados das autoridades estatais", afirmou a Receita.

Entre os bens que passaram por essas empresas, segundo a Receita, está, por exemplo, o helicóptero utilizado na morte de dois importantes líderes da facção criminosa —Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca— e o apartamento da esposa de um traficante internacional.

Uma revendedora de veículos de luxo, que foi alvo das buscas, realizava compra e venda de carros de luxo, porém sem registrar o real proprietário dos veículos. Movimentações financeiras atípicas e inconsistências fiscais indicam que essas empresas também podem estar a serviço do crime organizado.

"Os contribuintes fiscalizados detêm, juntos, patrimônio total declarado de mais de R$ 148 milhões e movimentaram, apenas entre 2020 e 2022, mais R$ 732 milhões em suas contas correntes. A Receita Federal estima que serão lavrados autos de infração da ordem de R$ 200 milhões", afirmou.

Ainda segundo a apuração, as empresas alvo da operação distribuíam dividendos milionários a seus sócios mesmo em anos em que registravam prejuízos. Citou como exemplo um dos sócios que teria recebido mais de R$ 14,8 milhões em dividendos entre 2015 e 2022, período em que a empresa teve um prejuízo acumulado de mais de R$ 5 milhões.

"A distribuição de dividendos, além de 'esquentar' o dinheiro ilícito, possibilitava o não pagamento de tributos pelos beneficiários, uma vez que esse tipo de rendimento é isento de imposto de renda", explicou a Receita Federal.

A Justiça determinou o bloqueio de R$ 600 milhões em patrimônio para garantir o pagamento a título de dano moral coletivo. Os mandados foram expedidos pela 1ª e pela 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital a partir de investigação do Ministério Público.

Segundo a prefeitura, a Trasnwolff opera 1.306 ônibus na capital, e a Upbus, 159. Em um decreto publicado nesta terça, Nunes nomeou Valdemar Gomes de Melo como interventor da Trasnwolff e Wagner Chagas Alves para a Upbus.

"A prefeitura faz a intervenção nas duas empresas para que os usuários possam ficar absolutamente tranquilos de que não haverá nenhuma intercorrência no transporte público", disse o prefeito em vídeo publicado nas redes sociais.

Já o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que sua gestão "resolveu realmente combater o crime organizado", e que as ações de combate à lavagem de dinheiro vão continuar. "Acho que todo mundo tinha no imaginário que eram coisas que aconteciam, mas ninguém mexia, ninguém avançava."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.