Descrição de chapéu Chuvas no Sul indígenas

Aldeia destruída pelo Dnit no RS ficava em meio às obras de duplicação da BR-290

Para caciques, objetivo era expulsar indígenas do local; OUTRO LADO: órgão diz que medida emergencial foi necessária para devolver trafegabilidade da via

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São Paulo

Os indígenas da etnia guarani mbya atribuem a destruição de sua aldeia em Eldorado do Sul (RS), durante ação do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), a uma suposta estratégia de avançar, de forma arbitrária, com as obras de duplicação da BR-290, realizadas por meio de cooperação entre o governo federal e o estadual.

A aldeia Pekuruty foi demolida por tratores no último dia 3, no início das inundações causadas pelas chuvas no Sul do país. Casas, escola e os sistemas de energia elétrica e de abastecimento de água foram destruídos após o encaminhamento dos indígenas para abrigos. Os guaranis afirmam que não foram consultados sobre a ação e, quando souberam, tudo já havia sido destruído.

A imagem mostra o telhado de uma casa tradicional parcialmente submerso em meio a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul, e escombros. O cenário mostra que a estrutura foi engolida após ser derrubada por um trator, que aparece no fundo da imagem.
Destruição na aldeia Pekuruty após ação do Dnit em Eldorado do Sul (RS) - Cláudio Acosta/Arquivo pessoal

O Dnit —autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes— é responsável pela duplicação na BR-290.

Em 2022, o governador Eduardo Leite (PSDB) anunciou o repasse de R$ 165 milhões para a continuidade da obra na rodovia, que estava paralisada. Com esse aporte e mais recursos da União, a conclusão da via estava prevista para 2026.

Em nota, o Dnit afirma que a ação na aldeia foi emergencial para que se pudesse devolver o quanto antes a trafegabilidade no km 132 da BR-290. A partir daí, segundo o órgão, em quatro dias foi possível restabelecer a conexão entre Porto Alegre e demais municípios.

Ainda de acordo com a nota, a aldeia Pekuruty é acompanhada pelo Dnit de forma permanente desde 2013, quando foram iniciadas tratativas para delinear o conjunto de medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos potenciais relacionados às obras na via (entre Eldorado do Sul e Pantano Grande).

"Toda interlocução do Dnit junto a comunidades indígenas no Rio Grande do Sul se dá em conjunto com a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], no contexto de processos de licenciamento ambiental de rodovias. É o caso da aldeia Pekuruty, que é uma das comunidades integrantes do processo de licenciamento ambiental das obras de duplicação da BR-290", diz a nota.

Estevan Garai, cacique da comunidade de Pekuruty, conta que perdeu tudo com a demolição de sua casa. Sem falar português, ele disse à Folha, com a ajuda de tradutores, que a Defesa Civil exigiu que os indígenas deixassem a aldeia por segurança, mas que os moradores não foram avisados sobre a possibilidade de destruição das casas para melhorar o tráfego.

Agora, o líder indígena quer que a comunidade seja ressarcida pelo prejuízo. Ele afirma que os guaranis, que ocupam o local há mais de 15 anos, ficaram desamparados, entre eles um ancião de mais de 80 anos de idade.

Caso o Dnit não apresente uma proposta de realocação ainda nos próximos dias, Garai afirma que o grupo voltará para as margens da BR-290 com novas construções de casas e escola. O cacique afirma ainda que a autarquia promete há anos uma área de 300 hectares, que já teria a licença ambiental aprovada, mas que este plano nunca não foi executado.

Para Cláudio Acosta, cacique na aldeia Guajaivy (vizinha de Pekuruty) e um dos tradutores do povo guarani, a ação do Dnit teve o objetivo de acelerar o processo de realocação, reduzindo as chances de escolha dos indígenas que não falam português. Ele registrou a ação do Dnit em fotos e vídeos.

Trata-se, na avaliação de Acosta, de um caso de preconceito, também chamado de "racismo ambiental" —termo usado para descrever os efeitos das catástrofes climáticas que impactam em maior proporção as populações vulneráveis.

"O Dnit quer que a aldeia do povo guarani saia das margens da BR-290 para que ela seja duplicada. Mas não vamos ceder como eles querem. Isso foi uma violação dos direitos humanos", disse Acosta.

Obstáculos à ajuda humanitária

A Funai e Ministério dos Povos Indígenas estimam que as enchentes no Rio Grande do Sul tenham afetado mais de 8.000 famílias das etnias guarani, kaingang, xoleng e charrua, num total de cerca de 30 mil pessoas.

Whera Hatá, cacique na aldeia Som dos Pássaros e coordenador do CGY (Comissão Guarani Yvyurupa), afirma que a ajuda humanitária tem enfrentado dificuldades para chegar aos povos indígenas no estado, sendo que alguns ficaram isolados após a destruição de pontes.

Por isso as entidades se mobilizaram, junto à Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), e desde o dia 14 entregam cestas básicas aos povos originários.

Dezessete entidades civis, dentre elas o CGY, publicaram uma carta direcionada a toda a sociedade —especialmente aos órgãos públicos das três esferas administrativas— e à comunidade internacional.

O documento, que apresenta a situação indígena do estado diante da calamidade climática, salienta o papel da sociedade civil organizada no atendimento emergencial às comunidades afetadas e reivindica uma maior atuação e comprometimento dos governos para ampliar o suporte aos territórios e estabelecer um núcleo de atuação de emergência, reconstrução e consolidação de assistência.

"O coletivo enfatiza a responsabilidade do poder público em implementar medidas concretas e duradouras para garantir a segurança e o bem viver das comunidades indígenas na região", diz trecho da carta.

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