Descrição de chapéu Chuvas no Sul

'Depois do incêndio, agora o alagamento', lamenta homem que vive nas ruas de Porto Alegre

Fogo em pousada para pessoas em situação de vulnerabilidade matou dez em abril; acolhimento a essa população será desafio após enchentes

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Porto Alegre

A enchente histórica do lago Guaíba, que afetou quase 158 mil moradores de Porto Alegre e levou mais de 14 mil para abrigos, trouxe consequências para as pessoas em situação de rua, ainda mais vulneráveis durante a calamidade que aflige o Rio Grande do Sul.

Diante da inundação, parte dessa população foi acolhida em albergues, casas de passagem e abrigos temporários. O risco de leptospirose, a sujeira e o receio de não conseguir acesso a benefícios têm tirado o sono dos afetados pelas chuvas no estado.

Na foto, um ginásio com colchões espalhados pelo assoalho abriga moradores de rua
Pessoas em situação de rua são acolhidas no ginásio de esportes da Rede Calábria, no bairro Vila Nova, em Porto Alegre - Divulgação/Rede Calábria

"Depois do incêndio, agora o alagamento. Mexeu com a nossa vida", diz Carlos Moreira da Silva, 47, sobre o incêndio na pousada Garoa, que acolhia pessoas em situação de vulnerabilidade, que deixou dez mortos em 26 de abril. "Quatro amigos meus, que a gente se reunia de vez em quando para conversar, morreram ali incendiados. Eu estou só orando muito."

Carlos conta que está em situação de rua há pouco mais de um ano, após sofrer um acidente vascular cerebral e perder o emprego informal que tinha como ajudante de depósito.

Ele chegou ao abrigo no ginásio de esportes do Centro de Educação Profissional São João Calábria após deixar o albergue Acolher 2 no bairro Floresta, que foi inundado pelas águas do Guaíba.

Pensar em voltar para a rua é algo que o preocupa. "Como a gente pode dormir na rua com as calçadas todas sujas de barro? Estavam falando de doenças, leptospirose e essas coisas, e também sem energia, sem luz", questiona.

Na foto, pessoas recebem marmitas com uma fruta
População em situação de rua recebe refeições em abrigo especializado na zona sul da capital gaúcha - Divulgação/Rede Calábria

O abrigo recebe visitas regulares de equipes médicas do Consultório na Rua e de órgãos como a Defensoria Pública da União (DPU), que deu orientações para registro no Cadastro Único, por exemplo.

Além disso, no local são oferecidas refeições e há dez chuveiros com água quente e um espaço de lazer com televisão, livros, jogos de tabuleiro e cartas. Voluntários também oferecem corte de cabelo, manicure e outros serviços de bem-estar.

O abrigo foi inaugurado no dia 3 de maio e chegou a receber 136 pessoas no primeiro fim de semana de funcionamento. Atualmente tem 90 acolhidos, distribuídos em alas masculina, feminina, LGBTQIA+ e para idosos. A maioria, contudo, é formada por homens —das 156 pessoas que passaram no local desde a abertura, apenas 14 eram mulheres.

Em assembleia coordenada pela equipe de assistência, os próprios acolhidos definiram regras de convivência como horários de silêncio, banho, alimentação e circulação, que foram fixadas na parede do ginásio.

Na foto, cinco pessoas sentadas, de costas para a câmera, assistem o filme 'Django Livre' em uma televisão
Abrigados em Porto Alegre tem sala de lazer com acesso a filmes, jogos e livros - Alex Rocha/PMPA

De acordo com o psicólogo Rodrigo Falcão Chaise, coordenador do projeto Ação Rua na Rede Calábria, a enchente do Guaíba alterou de forma significativa o dia a dia da população em situação de rua, que já havia sido impactada pela pandemia de Covid-19.

"A pandemia sobrecarregou o setor de saúde, mas as enchentes sobrecarregaram o sistema de assistência social, que, para populações de rua, é fundamental", afirma.

Segundo ele, diversos equipamentos foram alagados e precisaram suspender temporariamente suas atividades —estão nessa situação ao menos sete Centros de Referência de Assistência Social, quatro postos de atendimento para Cadastro Único e dois Centros POP, de atendimento multidisciplinar.

"Há a incerteza [entre as pessoas em situação de rua] de como será após este momento, porque aqui não é só um espaço que eles necessitam para dormir e para se alimentar, é um espaço de acolhimento de vida digna", afirma o padre Gustavo Bonassi, diretor-geral da Rede Calábria.

Segundo ele, a Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania) solicitou o uso do espaço por mais um mês para pensar nos próximos passos.

"O desafio agora vai ser promover a desmobilização desses alojamentos nos próximos dias", disse Cristiano Roratto, diretor-presidente da Fasc. De acordo com a fundação, Porto Alegre tem atualmente entre 2.300 e 2.600 pessoas em situação de rua.

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