Descrição de chapéu Obituário Gastão Rúbio de Sá Weyne (1935 - 2024)

Mortes: De preso em navio a professor da USP

Ligado ao antigo PCB, militar foi professor universitário, compôs chorinhos e gravou CD com os Demônios da Garoa

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Cláudio de Oliveira
São Paulo

No dia 1º de abril de 1964, o 1º tenente Gastão Rúbio de Sá Weyne foi preso e dormiu duas noites em carteiras de sala de aula do Instituto Militar de Engenharia, o IME, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, onde cursava engenharia química.

No dia 3, foi conduzido sob escolta ao navio-presídio Princesa Leopoldina, sendo mantido sem comunicação exterior por 36 dias, até 8 de maio daquele ano.

Ao ser preso, enquanto preparava sua mala, pediu à esposa, Eliana, que destruísse todos os livros e documentos que o ligavam ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), entre eles, "O Capital", de Karl Marx.

Um senhor com expressão pensativa e vestindo um colete em padrão xadrez sobre uma camisa amarela, é visto em um ambiente interno, talvez um café ou restaurante, observando a rua com dois carros
Gastão Rúbio de Sá Weyne (1935 - 2024) - Registila Libania Beltrame/Arquivo pessoal

Levou para o navio-presídio livros técnicos para continuar seus estudos e um compasso da marca Kern.

Conduzido para o navio só de cuecas e levando uma pasta com os livros, foi-lhe retirado o compasso durante a revista. Um fuzileiro naval jogou o instrumento ao mar, justificando que um comunista não poderia usar um objeto perigoso.

Gastão Weyne era comunista desde a adolescência em Fortaleza (CE), onde nasceu em 1935 e iniciou sua carreira militar. Herdou o pensamento político do pai, Arnon Demon do Valle Weyne, que, nos anos 1950, fazia reunião de célula de militantes do PCB em sua casa, na capital cearense.

Compartilhou a prisão no navio com outros oficiais do Exército brasileiro que eram contrários ao golpe militar. Durante o confinamento, todos eles eram acordados de madrugada para prestar depoimentos.

Construiu amizade com esses oficiais presos, entre eles, Jônathas de Barros Nunes, com quem dividiu a autoria do livro "1964: O DNA da Conspiração, o depoimento de dois oficiais do Exército que não aderiram ao golpe militar de 1965", lançado em 2012, um dos mais de 50 livros que publicou.

Liberado, conseguiu concluir o curso de engenharia química no IME, em 1964. Transferiu-se para o Arsenal de Guerra de São Paulo, em Barueri, em 1965. Teve então de responder a processo no qual foi inocentado de atitude suspeita e violenta contra o golpe de 1964 Mas recebeu prisão disciplinar de 15 dias, acusado de ter provocado discussões políticas dentro da organização militar.

Temendo ser reformado compulsoriamente, a exemplo de vários de seus colegas de farda, Gastão Weyne dedicou-se à carreira acadêmica: bacharel e licenciado em matemática pela USP, mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da USP, doutor em engenharia pela mesma escola, fez pós-doutorado em design de projeto pela University College de Londres (na Inglaterra), bacharel pela Faculdade de Direito da USP, e doutor em filosofia do direito pela mesma faculdade.

Começou sua carreira de professor no ensino médio, no Colégio Estadual de Carapicuíba, na Grande São Paulo. Foi professor também da USP, das faculdades Oswaldo Cruz, da PUC-SP, do Mackenzie, da Fundação Armando Álvares Penteado, da Faculdade de Medicina do ABC-SP e da Unipalmares.

Advogado e perito criminal da Justiça Federal de Campinas, foi também Grande Inspetor-Geral da Maçonaria, e reformado no posto de tenente-coronel em 1980.

Apesar da perseguição sofrida, era um homem bem-humorado, afável, generoso e de vida social. Tocava violão e gravou cinco CDs com chorinhos, 19 dos quais de sua autoria. Em um dos CDs atuou em parceria com os Demônios da Garoa.

Morreu no último 10 de junho de 2024. Deixou a mulher, Eliana, os filhos Valério, Taciano, Rutênio, quatro netos e muitos amigos. Está sepultado no Cemitério do Redentor, ao lado do seu filho Germano, morto em 2009.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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