PL que multa quem doar comida em SP é suspenso após constrangimento entre Nunes e base na Câmara

Após prefeito anunciar veto, vereador retirou texto e criticou atuação da prefeitura no atendimento à população de rua

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São Paulo

A aprovação pela Câmara Municipal de São Paulo de um projeto de lei que impõe uma série de regras e multa para quem doar comida a pessoas em situação de vulnerabilidade gerou constrangimento entre a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e parte da sua base de apoio no Legislativo paulistano.

Na quarta-feira (26), o texto do vereador Rubinho Nunes (União Brasil) foi aprovado na primeira de duas votações obrigatórias antes do envio para sanção ou veto do chefe do Executivo. A decisão da Câmara resultou em uma série de críticas, sobretudo nas redes sociais, e nesta sexta (28) o prefeito afirmou que barraria a proposta integralmente caso ela passasse em segundo turno.

"Lá na Câmara tem uma cultura de aprovar tudo em primeira votação e fazer uma discussão maior na segunda. Acho que não passa em segunda. Mas, se passar, vou vetar", afirmou o prefeito.

Ao ser questionado se havia previsto que a votação de um tema sensível poderia constranger o prefeito a poucos meses da disputa pela reeleição, Rubinho disse que constrangedora foi a atitude de Nunes ao anunciar o veto por meio da imprensa. "Quem ficou constrangido fui eu com uma declaração de veto que praticamente inviabiliza qualquer possibilidade de discussão para melhorar a proposta", disse o vereador.

O prefeito segura microfone e veste camiseta azul
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) discursa durante evento na capital - Zanone Fraissat - 30.mai.2024/Folhapress

Rubinho retirou o projeto de tramitação nesta sexta. À Folha ele disse ter sido alertado por colegas vereadores sobre problemas quanto à redação e que está disposto a fazer correções. "O texto deveria deixar claro que pessoas físicas e instituições religiosas não estariam sujeitas às regras e multa", diz.

Ele também criticou a atuação da gestão Ricardo Nunes no enfrentamento à questão da população em situação de rua.

"A intenção do projeto é tirar pessoas da rua e combater ONGs que fazem parte da máfia da miséria, algo que a Smads [Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social] até agora não conseguiu fazer, mesmo com um orçamento de R$ 2,6 bilhões que é suficiente para dar R$ 4.200 por mês para cada uma das 52 mil pessoas em situação de rua", diz.

Presidente da Comissão de Política Urbana, Rubinho foi um dos responsáveis por levar adiante pautas estratégicas para a gestão Nunes, como a aprovação do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento. Ele também é do mesmo partido do presidente da Casa, Milton Leite, que recentemente declarou intenção de apoiar a reeleição do prefeito, em detrimento das pretensões do deputado federal Kim Kataguiri em encabeçar candidatura própria da legenda.

Um integrante da gestão Ricardo Nunes disse à Folha que o Executivo havia sinalizado para a Câmara que era contrário à discussão do projeto, por ser considerado sensível, e classificou como infelizes as declarações de Rubinho.

Líder do governo na Câmara, o vereador Fábio Riva (MDB) disse ter encaminhado a posição contrária do prefeito ao projeto às lideranças do Legislativo, mas justificou que a aprovação simbólica em primeiro turno ocorreu porque há acordo para isso. "A primeira votação é um direito do vereador manifestar a sua vontade, isso não significa que passaria no segundo turno", diz Riva. "Eu também sou contra o projeto."

O projeto de lei retirado pelo autor impunha uma série de exigências para organizações e cidadãos dispostos a entregar comida a pessoas em vulnerabilidade social, entre as quais razão social registrada na prefeitura, informar nomes dos membros participantes e obrigação de manter a limpeza nos locais de distribuição. Em caso de descumprimento das determinações estabelecidas havia previsão de multa de R$ 17.680.

Havia ainda a obrigação do doador de fornecer tendas, mesas, cadeiras, talheres, guardanapos e demais ferramentas necessárias à alimentação.

Autorizações para a distribuição de alimentos também deveriam ser requisitadas a diferentes órgãos da prefeitura, como as secretarias de Assistência e de Desenvolvimento Social.

Ao justificar o projeto, o autor Rubinho Nunes diz que busca garantir segurança, qualidade e transparência nas ações assistenciais.

A aprovação do PL aconteceu três dias após abertura de inquérito da Polícia Civil de São Paulo para apurar eventual delito de abuso de autoridade que estaria sendo praticado pelo vereador contra o padre Júlio Lancellotti.

Rubinho é o autor da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que mira o pároco e ONGs que atuam na região da cracolândia, no centro da capital paulista. O vereador afirma que não há relação entre as duas questões.

Proposta gerou polêmica em Curitiba e não avançou

Em Curitiba, projeto de lei semelhante proposto em março de 2021 pelo prefeito Rafael Greca (PSD) não avançou na Câmara Municipal, após ser alvo de críticas especialmente da sociedade civil organizada com atuação no atendimento à população de rua.

O ponto mais polêmico do texto original da prefeitura era o que estabelecia multa de R$ 150 a R$ 550 para quem distribuísse "alimentos em desacordo com horários, datas e locais autorizados pelo município".

A medida gerou polêmica, e o prefeito acabou recuando em relação às multas. Outras versões foram apresentadas e discutidas no Legislativo, mas não seguiram para votação. O projeto de lei está parado na Câmara desde dezembro daquele ano.

Na época, Greca disse que o projeto de lei foi "mal interpretado" e que a ideia era garantir "a segurança alimentar e nutricional dos desvalidos e vulneráveis com vigilância sanitária e asseio".

Segundo o prefeito, na falta de regras sobre distribuição de alimentos, há situações de escassez ou excesso de oferta nas ruas da cidade. A prefeitura ainda argumentou na época que, quando há excesso, o "acúmulo de resíduos orgânicos e rejeitos nas vias públicas" gera "proliferação de pragas e vetores urbanos, e, consequentemente, riscos à saúde da população em situação de rua".

Colaborou Catarina Scortecci, de Curitiba

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