Lei Maria da Penha chega aos 18 anos com aplicação sob desafios e temor de retrocesso

Execução de medidas protetivas ainda esbarra em relativização da violência por órgãos públicos; STJ discute natureza jurídica

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São Paulo

Primeira norma jurídica no país que criminalizou a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha completa 18 anos em vigor nesta quarta-feira (7) com desafios à sua aplicação e risco de retrocesso.

Ao longo de quase 20 décadas, a legislação resultou em cerca de 2,3 milhões de decisões de medidas protetivas, sendo 69,4% favoráveis ao pleito das vítimas em se manterem distantes de seus agressores. Por outro lado, 6,6% dos pedidos foram rejeitados e 13,9%, revogados, de acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A imagem mostra uma grande manifestação em uma rua, com muitas pessoas usando máscaras. No primeiro plano, uma mulher segura um cartaz que diz 'Machismo Mata' em letras vermelhas. Ao fundo, há uma multidão de manifestantes e bandeiras, com a iluminação da cidade ao entardecer
Manifestação na avenida Paulista, na região central de São Paulo, em apoio ao Dia Internacional das Mulheres - Bruno Santos - 8.mar.22/Folhapress

Até 2009, os crimes de violência sexual eram enquadrados na lei contra os costumes, não como hoje, um crime contra a dignidade humana. "No momento, a busca é pela criação de uma lei integral de proteção às mulheres em situação de violência. Alcançar a eficácia das normas é o maior desafio", diz a advogada Silvia Pimentel, integrante do grupo de juristas que redigiu o texto da lei.

Apesar de a Maria da Penha ter criado 11 serviços de apoio à mulher vítima de violência, entre eles, rondas feitas por guardas-civis nos municípios e a criação de juizados especiais, sua aplicação ainda hoje é desafiada pela falta de fiscalização das medidas protetivas, principalmente em cidades afastadas dos grandes centros urbanos e em áreas dominadas pelo crime organizado.

"Isso faz com que a lei não chegue a contento para as mulheres do interior, periféricas e indígenas, a maioria negra, que enfrentam problemas estruturais, como a presença de facções criminosas e milícias. Nesses lugares, o tráfico não aceita a violência doméstica e toma próprias atitudes para banir os casos", diz a advogada Myllena Calasans, integrante do Consórcio Lei Maria da Penha. "Ao mesmo tempo que a mulher fica protegida do agressor dentro de casa, pode sofrer violência desse poder paralelo que também a inibe de acionar o estado", continua.

A inovação da lei ao longo dos anos incluiu a criação de um botão do pânico para smartphones conectados a centrais policiais e uso de tornozeleira eletrônica pelos agressores. Todo esse aparato, porém, não é acessível à maioria das mulheres. "Isso ainda é uma deficiência da implementação e exige compromisso dos estados e municípios, para se tornar uma política prioritária", diz a advogada.

Além disso, a Terceira Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) discute a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência e se devem ter um prazo de vigência predeterminado. O recurso passou a ser julgado após o Ministério Público de Minas Gerais pedir validade indefinida de medida protetiva concedida em um processo de violência doméstica. A Justiça havia fixado validade de até 90 dias.

O STJ discute se as medidas protetivas de urgência devem ser consideradas de natureza penal. Atualmente, o recurso é decidido com base no Código de Processo Civil sem necessidade de se instaurar um processo penal, o que pode comprometer a celeridade dos processos em casos graves.

A possibilidade é considerada um retrocesso na aplicação da lei, segundo a advogada Myllena. "A Justiça pode chegar a exigir a elaboração de um boletim de ocorrência para a medida protetiva ser validada", diz.

O CNJ constatou em 2022 que 30% dos pedidos de medida protetiva são concedidos após o prazo máximo de 48 horas, em desacordo com a Lei Maria da Penha.

A possível mudança sobre a natureza jurídica é preocupante porque as vítimas ainda sofrem com a relativização institucional da violência quando procuram delegacias e demais órgãos públicos. "Muitas mulheres não têm atendimento qualificado", diz a advogada.

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