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09/11/2010 - 03h00

Arquiteto defende abertura de túneis para trens em São Paulo

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EVANDRO SPINELLI
DE SÃO PAULO
VANESSA CORREA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Enquanto São Paulo discute o que fazer com a linha do trem que vai da Lapa ao Brás, Turim, na Itália, decidiu e implantou o projeto.

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Em Turim, a ferrovia foi "enterrada": construíram um túnel por onde agora passam os trilhos que antes estavam na superfície. Era para tudo ficar pronto até 2006, quando a cidade sediou os Jogos Olímpicos de Inverno, mas as obras continuam.

É uma ideia semelhante à da Prefeitura de São Paulo, que pretende construir um túnel de 12 km para "enterrar" o trem. Na superfície seria construída uma avenida, que serviria de alternativa de tráfego ao Minhocão, que seria derrubado.

Além disso, a linha do trem deixaria de ser uma barreira urbana que separa os dois lados da cidade. Ao sul, Perdizes, Pompeia e Lapa muito desenvolvidos. Ao norte, uma área pouco ocupada e degradada.

Parte disso pode estar pronta até 2014, quando a Copa do Mundo de futebol passará por aqui.

O arquiteto Franco Corsico participou da implantação do projeto em Turim na década de 1990 como responsável pela elaboração do plano diretor da cidade, depois do plano de trânsito e transporte e do plano de mobilidade metropolitana.

Corsico estará em São Paulo amanhã para um seminário sobre projetos urbanos da cidade organizado pela Associação Comercial em parceria com a prefeitura, no hotel Renaissance.

No evento, ele falará sobre a experiência de Turim. Na semana passada, concedeu entrevista à Folha por telefone sobre o assunto.

Para ele, a cidade não pode deixar o mercado imobiliário decidir o que fazer para desenvolver as regiões degradadas. Ele diz que a maior dificuldade foi enfrentar o ceticismo da população, que não acreditava no projeto.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Por que vocês decidiram colocar a linha do trem dentro de túnel?
Franco Corsico - No nosso plano diretor nós decidimos não apenas desenvolver as áreas degradadas na espinha dorsal do projeto, mas também renovar completamente a ligação da cidade ao redor da linha de trem.

A ligação através da linha de trem é a verdadeira espinha dorsal também para esse desenvolvimento, localizada ao longo do eixo norte-sul que cruza a cidade.

A maior parte dos trilhos, mais de 50%, está sob o solo, em túneis. Antes estava em trincheiras, mas não havia nada em cima e dividia as partes oeste e leste da cidade. Havia apenas algumas pontes para conectar a cidade.

Folha - Em São Paulo, a linha do trem também divide a cidade, e um dos lados é degradado. Era assim em Turim?
Franco Corsico - Era a mesma coisa, mas São Paulo é uma cidade bem maior. Este projeto cobriu 40% da área de transformação. Nosso plano diretor decidiu parar com o desenvolvimento das áreas já consolidadas e fazer desenvolvimento das áreas degradadas.

Folha - Havia outra alternativa em vez do túnel?
Franco Corsico - Havia nos anos 80, dez anos antes, a ideia, mas era só em relação ao transporte, de criar novas linhas para servir melhor a cidade. E a alternativa era, em vez de criar um túnel, e novas linhas cruzando a cidade, criar uma nova linha ao redor da cidade.

Folha - Porque escolheram o túnel?
Franco Corsico - Nós queríamos servir a área mais compactada da cidade. Nós queríamos recriar oportunidade de desenvolver área que era antes "viva", em que antes as pessoas trabalhavam, e que agora está vaga. Oportunidade de recriar a possibilidade de haver atividades, habitação e um novo ambiente, com áreas verdes, praças, parques e assim por diante. E aí nós criamos um bulevar com muitas árvores em que você tem uma pista para carros mas não muito larga, ao lado da área lugares para pedestres, ciclistas e assim por diante. E também, no cruzamento com outras vias da cidade, nós desenvolvemos um novo tipo de área, com monumentos e assim por diante. Nós queríamos recriar um linda cidade, com novos monumentos, um lugar onde você não trafega apenas com o carro, onde você fica, encontra as pessoas e tem a oportunidade de viver a cidade. Voltar à Itália tradicional, uma cidade europeia. Havia também, na época, um debate de criar sobre da linha de trem um via expressa. Um modelo mais americano de ter vias expressas através da cidade. Tivemos que lutar contra as pessoas que queriam a via expressa. Nós brigamos porque pensamos que isso iria criar uma nova barreira em vez de conectar um lado da cidade com o outro.

Folha - Qual é a largura da avenida?
Franco Corsico - A nova avenida bulevar tem normalmente 50 m de largura. Na outra situação, seriam 90 m.

Nós tentamos, no lugar disso, ter uma grande avenida com árvores e muitos tipos de vias para pessoas, não apenas para carros. Os carros têm apenas duas pistas nessa avenida. Têm faróis e outras maneiras de parar o tráfego.

Folha - A obra está pronta?
Franco Corsico - O plano era concluir em 2006, quando Turim recebeu as Olimpíadas de Inverno. Hoje, 75% da área está concluída e 50% já está sendo normalmente usada. A outra parte, 25%, está construída, mas ainda não completa, com mobiliário urbano, etc. E tem 25% em que os trabalhos estão em andamento.

Folha - Basta construir o bulevar e o desenvolvimento acontece sozinho ou é preciso ter políticas para desenvolver a área do entorno?
Franco Corsico - As coisas não acontecem por si. Nós temos grandes áreas ao longo do bulevar. Precisamos ter um plano detalhado para decidir os tipos de atividades. Nós queríamos que tivesse uso misto. Ter habitação, comércio, serviços, parques e áreas verdes. Então, tivemos que preparar um plano detalhado para as áreas principais.

Mas, o que posso dizer é que, ao longo desse bulevar, entre essas áreas que antes estavam vagas, os prédios estão sendo reformados. É atrativo para outros investimentos e reformas.

Folha - Os terrenos valorizaram ao redor dessa área?
Franco Corsico - Claro.

Folha - Quanto?
Franco Corsico - Isso é um grande problema, porque os cartórios não registram o valor real da terra. Eu posso apenas dizer que houve ao menos 20% de aumento no mercado imobiliário ao redor dessas áreas principais. Quando começamos, havia um período de crise no mercado imobiliário. Nós também fizemos, no plano diretor, um plano de alavancagem de investimentos. Em vez de dar apenas as regras gerais de como desenvolver, nós tínhamos que impulsionar o construtor para criar uma boa plataforma de investimentos, porque a economia da cidade estava em declínio nesse período.

Folha - E como vocês fizeram isso?
Franco Corsico - Usamos novos programas em parceria com outras esferas de governo. Tínhamos fundos especiais para criar um tipo de parceria público-privada de investimentos para criar confiança no setor privado de que poderia ser um bom investimento. Mas o Brasil tem muita sorte, porque está crescendo e vocês não têm esse tipo de problema. Provavelmente vocês têm que criar um bom projeto e talvez também tentar não deixar que tome o caminho do lucro imediato apenas. Eles têm que pensar que estão ajudando o governo a criar uma nova cidade, é um interesse público.

Folha - Não pode deixar o mercado guiar os investimentos?
Franco Corsico - Isso. Eu acho que esse é o problema de vocês agora.

Folha - Vocês têm ou tinham problemas de trânsito?
Franco Corsico - Tínhamos alguns problemas porque construir dentro da cidade às vezes cria problemas ao tráfego normal.

Nós tentamos, em cada evento especial, organizar comunicação e envolver as pessoas em torno do entendimento das razões desses problemas e criar um tipo de consenso. Desse ponto de vista, os jogos olímpicos de inverno foram uma grande oportunidade porque as pessoas estavam muito orgulhosas em receber os jogos. E eles também entenderam que, para sobreviver, a cidade tinha que investir para mudar. Nós fizemos uma campanha especial para comunicar e envolver as pessoas.

Esta foi uma maneira de melhorar e mudar a cidade para que ela sobrevivesse como cidade, porque antes nós tínhamos tido grandes problemas também na área industrial, etc. Tínhamos que mudar as bases, ou parte das bases, da nossa economia. Tínhamos que desenvolver atividades culturais, para ter um novo tipo de turismo, desenvolver serviços, para investir em novas atividades. E também a imagem da cidade tinha que mudar. Muitas pessoas pensavam que Turim era um tipo de Detroit, uma cidade feia dedicada apenas a fazer carros. Mas, em vez disso, Turim tem uma longa história de cidade romana, capital do Barroco na Itália, e foi a primeira capital da Itália, 150 anos atrás. Então, tinha uma longa história e também muitos monumentos e bom potencial de qualidade de vida e assim tínhamos que recriar essa imagem, de que havia esse tipo de oportunidade a construir.

Folha - A cidade ficou mais turística?
Franco Corsico - Sim. E esse foi o legado que os jogos olímpicos deixaram para a cidade. E também está melhorando, não só pela substituição dos empregos na indústria, que eram o único tipo de emprego, mas também temos muitas outras atividades. Nós desenvolvemos novas indústrias de alta tecnologia, além de eventos culturais. Temos uma economia muito mais diversificada agora na cidade.

Folha - Quais foram os principais desafios, dificuldades, enquanto vocês estavam desenvolvendo o projeto?
Franco Corsico - Falta de confiança, o ceticismo das pessoas. Porque o que é importante nesse tipo de ação é criar um sentimento de consenso. Não só na questão da participação das pessoas. Mas é preciso articular. Você tem que criar diferentes redes com a confiança de que tem futuro. Eu preciso dizer que neste momento eu temo que estejamos, na Itália, perdendo esse tipo de sentimento. Mas isso é um problema geral da Itália, não da nossa cidade. Neste momento não temos a confiança de que podemos ter um bom futuro. Na Europa em geral, mas especialmente na Itália porque nós não temos nesse momento, no meu ponto de vista, uma boa liderança política. É muito ruim (rindo). Mas tivemos um bom momento e esperamos que possamos enfrentar esse novo desafio.

Folha - Uma preocupação em São Paulo é adensar as áreas no entorno da linha do trem para que as pessoas não tenham que se deslocar tanto para trabalhar. Vocês também tinham essa questão?
Franco Corsico - Essa foi também uma das primeiras questões e objetivos: concentrar as pessoas, suas residências, mas também as atividades, serviços em áreas que pudessem ser servidas por um bom sistema de transporte. E as linhas de trem com o metrô. Porque no mesmo período nós construímos novas linhas de metrô que cruzavam essa linha de trem que corta a cidade. Tentamos desenvolver um sistema de linhas de transporte de trens, metrôs e tramway [espécie de bonde ou metrô de superfície] e ônibus normais.

É muito importante criar políticas que conectem claramente as duas questões, não criar um plano para o tráfego e outro plano para desenvolvimento urbano. Acho que essa foi uma das razões para o sucesso da nossa experiência.

Folha - O que evitar e no que prestar atenção ao fazer um plano do tipo?
Franco Corsico - Uma das coisas a evitar é criar uma nova via expressa para cruzar a cidade. Você tem que gerenciar e melhorar o transporte público e ter também boas vias para transporte, mas se você dedicar muito investimento em vias, as pessoas vão usar mais e mais e mais carros. Você tem que estar ciente de que precisa buscar equilíbrio e que é muito mais difícil fazer um sistema eficiente de transporte público do que fazer uma nova via expressa.

E a segunda coisa é criar também um bom ambiente público. Recriar a qualidade das áreas públicas, lugares em que as pessoas possam viver, encontrar com outras pessoas. Ao desenhar a cidade você tem que ter algumas ideias bem no início do projeto. Ok. Decidimos investir, decidimos quais são as funções, e pensamos no desenho depois. Não! Temos que ter a ideia de que tipo de espaços estamos recriando. Porque às vezes estamos recriando espaços grandes demais. Temos que desenhar esses espaços desde o começo, não depois. Normalmente você pensa que é muito mais importante decidir o esquema, os grandes investimentos. Começamos e depois vamos pensar na qualidade dos espaços. Não! E eu sei que não é fácil.

 

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