Descrição de chapéu A Cor da Desigualdade no Brasil

Para sobreviver, pré-vestibulares sociais recorrem a parcerias privadas

Cursinhos populares ajudam a tornar faculdades mais diversa, mas faltam estudos sobre efetividade

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Rio de Janeiro, Conselheiro Lafaiete (MG) e Salvador

Nos anos 1980, ao perguntar a um grupo de jovens em Duque de Caxias (RJ) quantos deles já haviam entrado na faculdade, o frei David Santos, 68, ficou intrigado.

“De quase cem, periféricos, pobres e, praticamente, nenhum branco, apenas dois levantaram a mão”, conta o líder religioso negro. “Eram irmãos e iam apenas porque eram obrigados pela mãe, faxineira na instituição. Aquilo me estremeceu.”

Decidido a “não colaborar com a produção de mão de obra barata para o sistema”, em 1986 ele fundou a ONG Educafro.

Com regionais em São Paulo, Rio e Minas Gerais, já ajudou mais de 60 mil alunos a ingressarem em universidades.

Nos anos 1990, pré-vestibulares populares do país que oferecem aulas gratuitas ou com taxas mais baixas, como a Educafro, se multiplicaram. Segundo especialistas, eles têm contribuído para a queda do desequilíbrio de raças no ensino superior.

Nos anos 1990, outras iniciativas como a Educafro surgiram e, segundo especialistas, têm contribuído para a queda do desequilíbrio de raças no ensino superior.

Aula da ONG Unifavela no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro
Aula da ONG Unifavela no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, antes da pandemia - Divulgação

Para se manterem acessíveis, os cursinhos contam com trabalho voluntário e doações. A crise econômica dos últimos anos, porém, também os afetou, e uma saída foi buscar parcerias com instituições privadas.

Adriana Carvalho dos Santos, 37, foi uma das auxiliadas por esses arranjos. Em 2019, duas décadas depois de completar o ensino médio, decidiu cursar medicina. Comprou materiais para estudar, mas sentiu o peso da defasagem no aprendizado e não tinha condições de pagar um curso tradicional.

Foi então que descobriu as bolsas de estudo para pessoas negras da Educafro em parceria com o Anglo Vestibulares. Após conquistar uma das 15 vagas oferecidas, passou em medicina na USP em Bauru (SP).

“Espero que um dia essa aprovação não seja notícia, pois notícia é exceção. Quero que seja algo naturalizado”, afirma ela.

As parcerias com os cursinhos ajudam as instituições privadas a aumentar a diversidade em seus espaços, ante a pressão crescente da sociedade por maior inclusão.

“A instituição sabe da importância da diversidade e percebe a educação como um meio de fazer, de fato, uma inclusão”, diz Ana Carolina Velasco, gerente de relacionamento institucional do Insper.

Em 2021, o Insper ofereceu 50 bolsas de R$ 500 durante quatro meses para estudantes negros da Educafro.

Em São Paulo, o Instituto Singularidades, voltado para formar educadores, fez uma parceria com o movimento de educação popular Uneafro Brasil e oferta dez bolsas a estudantes pretos e pardos.

“A Uneafro fez com que tivéssemos a tranquilidade de que a seleção chegaria exatamente em quem queríamos alcançar”, diz Alexandre Schneider, diretor do Singularidades e colunista da Folha.

Outro mecanismo ao qual os cursinhos recorrem são os financiamentos coletivos.

Eles ajudaram a ONG UniFavela, no complexo de favelas da Maré (RJ), a criar, por exemplo, a bolsa Carolina Maria de Jesus, um auxílio mensal de R$ 200.

“Contemplamos cinco alunos que já tinham frequência assídua no ano passado. A ideia é que possamos expandir”, diz Laerte Breno, presidente da associação.

Segundo ele, o apoio procura diminuir a evasão, comum nos cursinhos populares e mais grave na pandemia.

Naiara do Rosário, 27, coordenadora nacional do movimento Rede Emancipa, presente em sete estados e no Distrito Federal, conta que muitos alunos não tinham internet nem equipamentos adequados para o ensino remoto. A Rede mapeou quem precisava de auxílio e fez uma campanha de doações.

Faltam, contudo, dados consolidados sobre a efetividade desses cursinhos no país.

O Galt, de Brasília, informa ter taxa de aprovação média entre 50% e 60%, incluindo instituições públicas e privadas.

O Cursinho FEA-USP, por sua vez, teve 27% de aprovação, em 2020, apenas para públicas. Os dados não são comparáveis porque os cursinhos usam parâmetros distintos.

Segundo Allan Greicon, coordenador do Emancipa Jardim Jaqueline e mestre em administração pública e governo pela FGV, é crucial que o impacto dos cursinhos populares seja avaliado.

“Essa informação seria muito importante para pensarmos políticas públicas voltadas à educação popular.

Apoio

Esta reportagem faz parte de uma série que resultou do programa Laboratórios de Jornalismo de Soluções da Fundación Gabo e da Solutions Journalism Network, com o apoio da Tinker Foundation, instituições que promovem o uso do jornalismo de soluções na América Latina.

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