Descrição de chapéu A Cor da Desigualdade no Brasil

Maioria dos estados tem medidas recentes contra desigualdade racial

Problemas como baixo orçamento, porém, limitam queda do desequilíbrio entre negros e brancos em locais como Bahia

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Monte Alegre de Goiás, cidade com maioria negra no estado

Monte Alegre de Goiás, cidade com maioria negra no estado Pedro Ladeira/Folhapress

São Paulo e Salvador

Entre as 27 unidades da federação (UFs) do Brasil, 23 afirmaram à Folha terem adotado ações específicas para combater a desigualdade entre negros e brancos nos últimos anos.

Amapá, Paraíba, Distrito Federal e Pernambuco citaram, entre outros passos, a publicação de decretos para garantir que cor ou raça sejam, de fato, informados em registros dos serviços públicos.

“Essa informação é fundamental para melhorarmos a eficiência da política pública”, diz Joel Borges, titular da Secretaria Extraordinária de Políticas para Afrodescendentes (Seafro), do Amapá.

As medidas foram citadas em resposta a um questionário de seis perguntas enviadas aos governos no fim de abril e no início de maio deste ano. Esse mapeamento é parte do projeto que envolveu a construção do Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial).

Desenvolvido pelos economistas do Insper Michael França, Sergio Firpo e Alysson Portella, o indicador mede a distância entre a desigualdade racial nas unidades da federação e regiões do país e um cenário de equilíbrio, em que a presença dos negros —grupo que reune pretos e pardos— em recortes privilegiados refletisse seu peso na população.

Segundo o Ifer, o Amapá é a única UF próxima de uma situação de equilíbrio racial. Ou seja, brancos e negros —os dois grupos comparados no índice— estão perto da igualdade de acesso às melhores oportunidades de vida no estado. As dimensões do Ifer que refletem isso são posse de diploma superior e presença no topo da distribuição de renda e da pirâmide etária.

Especialistas dizem que o desempenho do Amapá pode se dever a seu menor nível de desenvolvimento, fazendo com que haja pouco a ser distribuído.

Borges afirma que a situação financeira, realmente, é um limite à geração de melhores oportunidades:

“Quando éramos território federal [até 1988], era tudo pago pela União. Vivíamos a política do contracheque. Com a emancipação, os recursos se tornaram mais escassos.”

Embora não esteja entre os estados mais desenvolvidos do país, o Amapá tampouco se encontra entre os de situação mais precária.

A expectativa de vida dos amapaenses ao nascer, em 2017, era 74,2 anos, abaixo da média de 76 anos do país, mas superior à registrada em outras 12 UFs, todas mais desiguais, racialmente, que o Amapá.

Uma fatia expressiva de 24% dos empregos formais concentrados no setor público —segunda mais alta do país, atrás de Roraima— também ajuda a explicar a menor desigualdade entre negros e brancos no estado.

Provável herança da época em que essas UFs eram territórios federais, isso pode favorecer a ascensão econômica de negros mais escolarizados, já que a contratação via concurso não está sujeita à discriminação pela cor da pele.

Para o economista Lucas Rodrigues, da USP, que criou com França e Firpo a metodologia que deu origem ao Ifer, é difícil isolar as muitas razões históricas que explicam os níveis atuais de exclusão racial nos estados, assim como as variações entre eles.

“O fluxo de escravos da África para o território brasileiro e a posterior redistribuição dessa massa no território nacional variaram muito”, diz Rodrigues.

A forte presença de indígenas —que, muitas vezes, se autodeclaram pardos— no Norte também pode afetar os resultados do Ifer, segundo o economista.

Para Rodrigues, a maior utilidade do índice é permitir o monitoramento da evolução dos estados e das regiões ao longo do tempo.

Progressos no combate à desigualdade racial dependem, segundo especialistas, de crescimento econômico associado a ações afirmativas.

No país, passos na adoção dessas políticas são recentes. A maioria dos estados declarou à Folha ter avançado no combate ao desequilíbrio racial nos últimos anos.

Alguns deles, como Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul, mencionaram a criação de órgãos para a promoção da igualdade racial. Minas Gerais citou a formação de um fórum de gestores municipais para fomentar a adoção de políticas étnico-raciais.

O Piauí criou uma gerência de povos e comunidades tradicionais dentro do instituto que cuida da regularização de terras. O Maranhão mencionou a criação de uma delegacia especializada em crimes raciais, e o Rio de Janeiro instituiu uma comissão de combate ao racismo estrutural e institucional.

A adoção recente de cotas ou pontuação para pretos e pardos em concursos públicos estaduais foram citados por Espírito Santo, Bahia, Ceará e Rio Grande do Sul.

Santa Catarina e Alagoas, apesar dos reiterados pedidos, foram os únicos estados que não responderam às perguntas até a conclusão deste texto. Os dois registram, respectivamente, o sexto e o décimo maiores níveis de exclusão racial.

O detalhamento das respostas também variou bastante. Tocantins e Amazonas enviaram textos curtos e, embora tenham falado sobre ações em curso, como roda de conversas e panfletagens, não mencionaram políticas públicas amplas.

Os dois estados destoam dos demais quatro da região Norte que estão entre as UFs menos desequilibradas no Ifer. O Amazonas é o segundo estado mais desigual do país, atrás apenas de São Paulo. O Tocantins está em 16º lugar.

Além disso, Amazonas e Tocantins —assim como Rondônia, Roraima, Ceará e Rio de Janeiro— não responderam se havia municípios em seus estados com políticas bem sucedidas de combate à desigualdade racial.

Algumas medidas citadas pelos demais 23 estados se devem à sua adesão ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), que oferece capacitação de gestores públicos em políticas de promoção de igualdade racial e no combate ao racismo institucional e exige contrapartidas.

Quatro UFs —Amazonas, Piauí, Roraima e Sergipe— ainda não integram o Sinapir, criado em 2010. Entre os mais de 5.500 municípios brasileiros, menos de 100 fazem parte do sistema.

Borges, do Amapá, avalia que a adoção de medidas de combate à desigualdade, desde meados dos anos 2000, ajuda a explicar a menor disparidade entre negros e brancos no estado.

O Amapá, a Bahia e o Maranhão foram os únicos estados que mencionaram em suas respostas à Folha terem uma secretaria com foco específico na igualdade racial.

Mesmo com políticas pioneiras, a Bahia ainda registra um enorme fosso entre negros e brancos. O estado nordestino tem 80% de negros entre seus habitantes de 30 anos ou mais —o sexto maior percentual do país— e a maior parcela de pretos (23%).

No Ifer, os quatro estados com as menores fatias de negros em suas populações —São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina— estão entre os que mais excluem os pretos e pardos das melhores condições de vida.

Ao apontar isso, o Ifer fortalece a hipótese de que, quando o racismo é estrutural, barreiras como a falta de contatos para conseguir empregos se tornam mais significativas.

Mas o fato de que, mesmo com uma grande proporção de negros e políticas de combate à desigualdade racial, a Bahia esteja entre as dez UFs que mais excluem os pretos e pardos é um alerta sobre a efetividade das ações que têm sido adotadas no país.

O baixo orçamento para políticas de promoção da igualdade é um obstáculo. Na Bahia, que tem orçamento de R$ 49 bilhões em 2021, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial teve R$ 11,3 milhões.

Para ampliar o alcance das ações, o estado tem apostado em políticas transversais e parcerias com outras secretarias. Desde 2015, 10% do orçamento do Fundo de Combate à Pobreza é destinado a ações de promoção da igualdade racial. No exercício de 2021, o valor disponível chegou a R$ 95 milhões.

Os recursos têm sido destinados a programas de estágio e primeiro emprego, nos quais 80% dos beneficiários são negros, ações na cultura, regularização fundiária e assistência rural a comunidades tradicionais como quilombolas, geraizeiros e agricultores de fundo e fecho de pasto.

O Maranhão vive situação parecida. Estado que possui a maior população de quilombolas do país, tem avançado no campo institucional, atualizando toda a sua legislação de políticas de reparação.

Entre os principais projetos em andamento, destacam-se o programa de capacitação no território urbano quilombola da Liberdade, conjunto de bairros de São Luís com cerca de 120 mil habitantes.

O orçamento para ações específicas de igualdade racial no estado, contudo, ainda é restrito. Foram cerca de R$ 25 milhões em 2021.

“Temos muito que trabalhar ainda na construção de uma visão que o estado tem da população negra quilombola e das periferias. Apoiá-los com políticas públicas é ampliar a capacidade produtiva de nosso estado”, afirma Gerson Pinheiro, secretário de Igualdade Racial do Maranhão.

A violência urbana também é um problema central, já que tem como principais vítimas os jovens negros que vivem nas periferias.

A médica e ativista Andreia Beatriz Santos, que lidera a organização Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, de Salvador, defende a organização comunitária no enfrentamento às barreiras impostas à população negra, já que a ação do poder público pode ser esvaziada ou ampliada de acordo com o governo da ocasião.

Apoio

Esta reportagem faz parte de uma série que resultou do programa Laboratórios de Jornalismo de Soluções da Fundación Gabo e da Solutions Journalism Network, com o apoio da Tinker Foundation, instituições que promovem o uso do jornalismo de soluções na América Latina.

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