Secretários do MEC desconheciam que portaria suspenderia cronograma do novo ensino médio

Medida foi decidida para tentar amenizar o desgaste do governo com movimento que pede revogação

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Brasília

A decisão de suspender o cronograma de implementação do novo ensino médio e a mudança do Enem em 2024 para adequá-lo à reforma pegou de surpresa até secretários do próprio MEC (Ministério da Educação).

A suspensão foi decidida, em grande parte, para tentar amenizar o desgaste que o governo tem sentido com o movimento que pede a revogação da reforma. Em março, o MEC já havia feito um ato com a mesma motivação, ao criar um grupo de trabalho para coordenar uma consulta pública para a avaliação e reestruturação da política.

Na tarde de segunda-feira (3), houve uma reunião desse grupo no MEC. Ele é integrado pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), Foncede (Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação) e pelo Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação).

jovens em manifestação, à frente uma menina fala com megafone
Estudantes protestam contra o novo ensino médio na avenida Paulista, em São Paulo, em março deste ano - Bruno Santos/Folhapress

Ao serem questionados por representantes desses órgãos, a secretária-executiva do MEC, Izolda Cela, e o secretário de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino, Maurício Holanda, disseram desconhecer que houvesse iniciativa de suspender os prazos de implementação por uma portaria. A iniciativa viera à tona pela imprensa horas antes.

Integrantes do governo e interlocutores veem o episódio como um sintoma da tentativa de o governo acalmar os ânimos de maneira improvisada. O Consed, contrário à revogação, divulgou nota em que ressaltou que "há uma consulta aberta sobre a reforma e, portanto, seria importante que qualquer decisão relacionada ao tema fosse tomada somente após a finalização da consulta."

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não planejava revogar a reforma do ensino médio, estabelecida em 2017 e cuja implementação para os alunos começou em 2022. Em 2018, quando Fernando Haddad (PT) foi candidato à Presidência, até havia em seu programa esse objetivo. Isso não apareceu, entretanto, na campanha vitoriosa de Lula no ano passado.

Ocorre que as críticas de parte de especialistas, sindicatos, professores e estudantes ganharam corpo no início deste ano. Como a Folha vem mostrando, a implementação do novo ensino médio registra uma série de problemas, como a falta de opções de itinerários em muitas escolas e disciplinas desconectadas.

O ministro da Educação, Camilo Santana, tem mantido discurso contrário à revogação e defende que haja ajustes. Uma revogação depende de alteração na lei no Congresso Nacional.

Mas a pressão de grupos que defendem a revogação e a mobilização de professores e estudantes causam incômodo no governo. O protesto de estudantes e professores em São Paulo, no dia 15 de março, também preocupou a equipe de Lula.

A avaliação dentro do Palácio do Planalto é de que o governo tem sofrido desgastes exagerados ao manter a reforma, sobretudo entre estudantes. Os jovens não representariam uma base consolidada de apoio ao presidente porque não viveram os anos dos dois mandatos de Lula, daí a preocupação adicional.

Além disso, o governo busca equilibrar o diálogo com setores da esquerda que são próximos, como sindicatos, e que pedem a revogação total.

A suspensão do cronograma de implementação foi a saída encontrada para dar uma sinalização nesse sentido. A ideia já transita no MEC há algumas semanas, mas foi na semana passada que surgiu uma minuta de uma portaria —que já era de conhecimento da equipe do Planalto também na semana passada.

Na manhã de segunda, o próprio ministro da Educação disse em uma entrevista concedida no Ceará que a adequação do Enem à reforma do ensino médio seria suspensa. A informação de que havia uma portaria veio à tona no fim da manhã, acompanhada de grande repercussão nas redes sociais. Mas até o fim daquele dia não havia confirmação oficial de que a portaria já estava assinada.

Com a repercussão, Camilo foi convocado por Lula para falar do assunto já na terça-feira (4), pela manhã. Foi uma reunião de mais de duas horas, em que o presidente ouviu os detalhes sobre a etapa, os problemas de implementação e quais seriam as consequências da suspensão dos prazos.

Também participaram do encontro o sindicalista Heleno Araújo, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), que advoga pela revogação, e o ministro Rui Costa (Casa Civil). A reunião foi a portas fechadas.

A ideia discutida na reunião foi tentar realizar os ajustes na reforma sem a necessidade de mudança legislativa, embora não tenha sido descartado o envio de algum projeto de lei específico.

Somente depois de falar com Lula é que Camilo Santana veio a público, à tarde, e confirmou que assinaria a ato. Publicada no Diário Oficial desta quarta-feira (5), a portaria suspende os prazos de implementação da adequação curricular, do Enem e também do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).

Como a lei continua a valer e o ano letivo já está em curso, não há expectativa de que haja alterações do que tem acontecido na sala de aula. O que foi dito pelo próprio ministro. A principal consequência é a manutenção do Enem no modelo atual também em 2024.

A suspensão desses prazos já está valendo e segue por 60 dias após o fim da consulta pública, lançada em março. Como a consulta tem um prazo é de 90 dias de funcionamento, e mais 30 dias para que o MEC elabore um relatório final, essa suspensão deve ocorrer ao menos até o fim de agosto.

Em linhas gerais, a política reformulou a grade curricular dos anos finais da educação básica, de forma a prever que 40% da carga seja destinada a disciplinas optativas organizadas dentro de grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos. Assim, as disciplinas tradicionais, comuns aos estudantes, ficam limitadas a 60% do currículo.

A implementação para os alunos começou em 2022, no 1º ano da etapa, quando todas as redes estaduais do país precisaram se adequar. A maior parte das escolas privadas fez o mesmo.

Em 2023, a mudança seguiu para os estudantes do 2º ano e, em 2024, alcançaria as turmas do 3º, completando o ensino médio. Mesmo diante de fortes críticas de precarização da oferta escolar, esse cronograma vinha sendo seguido pelas redes de ensino.

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