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Alexandre Schneider

Uma medida para a alfabetização

MEC define o que considera um estudante alfabetizado, mas é necessário avançar em alguns pontos

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Alexandre Schneider

Pesquisador da FGV/DGPE, pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia, em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo

O MEC (Ministério da Educação) apresentou nesta quarta-feira (31) uma definição do que considera um estudante alfabetizado. Uma boa notícia, pois os sistemas educacionais e o próprio MEC podem, com isso, estabelecer metas a perseguir até o segundo ano do ensino fundamental. Essa definição passou por uma pesquisa com 251 professoras alfabetizadoras das cinco regiões brasileiras, além de especialistas.

Com base nas informações até o momento disponíveis, uma vez que o ministério não divulgou uma nota técnica mais detalhada sobre como chegou à medida de avaliação, nem a aprofundou, seria necessário avançar em alguns pontos.

O primeiro é o de não compreender a alfabetização matemática como parte da alfabetização. Já há no país uma dificuldade de formação dos professores que atuam nos anos iniciais na área. A ausência de uma medida para alfabetização matemática pode reduzir o incentivo ao desenho de programas de formação continuada, além de reforçar o desequilíbrio entre os componentes nas áreas de linguagem e matemática nos cursos de formação inicial de professores. É fundamental que os dois componentes sejam considerados.

Alunos do 2º ano no primeiro dia de aula na Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Remo Rinaldi Naddeo, em Perus, na zona oeste de São Paulo
O MEC ouviu 251 professoras alfabetizadoras das cinco regiões brasileiras, além de especialistas, para saber o que torna um estudante alfabetizado - Fábio Pescarini - 7.fev.22/Folhapress

O segundo refere-se à necessidade de qualificar a medida. Segundo o documento apresentado pelo MEC, considerar-se-á um estudante alfabetizado aquele que alcançar 743 pontos ou mais na escala no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).

De acordo com o MEC, os estudantes que alcançam essa pontuação "leem pequenos textos formados por períodos curtos e localizam informações na superfície textual. Escrevem, ainda, com desvios ortográficos, textos que circulam na vida cotidiana para fins de uma comunicação simples: convidar, lembrar algo, por exemplo. Os estudantes são leitores/escritores iniciantes, que interagem de forma mais autônoma principalmente com textos que circulam na vida cotidiana e no campo artístico literário, em práticas de leitura e de escrita características do letramento escolar".

Aqui há questões de duas ordens. A primeira é qualificar melhor as habilidades requeridas para que se considere um estudante alfabetizado. O que são "pequenos textos formados por períodos curtos"? Uma carta, um bilhete, um texto com um número de páginas definido? Estamos tratando de leitura e compreensão dos textos? O que define um "leitor/escritor iniciante"?

O terceiro contempla a medida em si. Em geral, quando se realizam avaliações internacionais como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes), e mais recentemente o Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS - Progress in International Reading Literacy Study), o Brasil ocupa os pelotões inferiores entre os países que realizam os testes.

Algo que geralmente escapa à análise é que a nossa medida de alfabetização talvez não seja a mesma desses países. Ler um texto e compreendê-lo são habilidades distintas. Se avaliamos nossos estudantes apenas pela sua fluência leitora, por exemplo, temos uma medida de quantas palavras leem corretamente em um determinado tempo. Mas esse exame não é capaz de atestar que o estudante em questão compreendeu o texto. Aliás, nosso sistema de avaliação nacional não avalia compreensão de textos. Caso o país entenda que as medidas internacionais são relevantes para nosso sistema educacional, o ideal é que se faça algum alinhamento a elas.

Por fim, o MEC fez um ótimo movimento ao ouvir dos professores o que consideram estudantes alfabetizados hoje. Mas isso não impede que possa adotar medidas mais ousadas no futuro. Quando observamos o que um estudante da mesma idade deve aprender nos Estados Unidos, verificamos que as exigências são maiores em leitura e escrita. Espera-se que um estudante americano no segundo ano seja capaz de recontar histórias, comparar versões distintas de histórias escritas por autores diferentes ou provenientes de culturas diversas, ler e compreender textos literários de ficção e poesia, entre outras habilidades.

Evidentemente não se deve estabelecer metas que desestimulem as escolas, mas seria importante que nosso país fosse capaz de estabelecer um parâmetro mais flexível de alfabetização, revisado periodicamente e que permitisse a celebração dos avanços e a busca contínua de melhores resultados. O país de Magda Soares e Telma Weisz tem total condição de alcançar esse desafio.

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