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Álvaro Machado Dias

Plataformas educacionais com IA prometem maior salto em décadas, mas há riscos

Impacto de versões existentes é positivo, mas pode haver problemas de concepção e regulação

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Álvaro Machado Dias

Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind

A licença de serviço do ChatGPT diz que a idade mínima para usá-lo é 13 anos, mediante autorização explícita dos pais ou responsáveis. Essa cautela segue o entendimento dominante no campo da ética em IA de que o acesso irrestrito ao website da OpenAI subtrai mais do que soma no desenvolvimento intelectual de crianças e adolescentes.

Sua contribuição está em popularizar as noções de que: (1) estratégias de ensino baseadas em registro e replicação são ineficientes e (2) o educador, na era do antropoceno digital, deve agir como um facilitador da articulação conceitual, criatividade dirigida e pensamento crítico.

a imagem mostra uma mão utilizando o teclado de um notebook, sobreposta a essa mão há um desenho de uma cabeça com riscos parecidos com os de um chip de computador, para representar a inteligência artificial; o desenho é de cor verde
Plataformas educacionais que utilizam inteligência artificial prometem o maior salto do ensino formal em décadas, mas há riscos a serem considerados - Getty Images

O que vêm causando maior frisson no campo das edtechs são as plataformas que incorporam IA e outras tecnologias para oferecer rotas individualizadas de ensino para alunos com e sem deficiências, apoio para entender conceitos matemáticos e realizar exercícios, companheiros virtuais de leitura, formação decisória e emocional, além de incentivo à compreensão da realidade, 24 x 7. A expectativa é que o mercado seja inundado por elas em dois ou três anos.

A mais recente meta-análise no tema mostra que o impacto das versões já existentes é positivo. O que se diz é que o ensino formal pode ter seu maior salto em décadas. Não duvido, mas creio que problemas de concepção e regulação, além da pressão continuada dos fabricantes, podem levar a externalidades neurocognitivas que nada tem a ver com o cenário otimista que se pinta.

O maior risco da transição para um estágio de processos educacionais amplificados por IA é a escalada da algoritmização do pensamento. A interação sem interpessoalidade ganha destaque na mente juvenil, fragilizando a formulação de argumentos e a escuta. Isso é paralelo ao que se vaticina no domínio da intimidade, onde androides sexuais podem levar à multiplicação dos crushs que transam com pessoas como se habituaram a transar com robôs.

Nos dois casos, a insatisfação com o tratamento alheio, forjado por interações sintéticas, aumenta a aposta na autossuficiência do par eu-máquina, exaurindo a socialização. A solidão, que já se tornou endêmica, dispara.

Sentimentos de invalidez intelectual e ausência de voz própria são intensificados, a despeito da ampliação de repertório em todos os segmentos escolares e muito além. A porta à manipulação é escancarada, dado o modelo omnichannel dessas plataformas, que deverão espalhar sua onisciência de superfície por celulares, consoles de games, relógios e até uniformes.

Será esse um preço alto demais para mitigar as adversidades massivas do status quo educacional?

Ao invés de cedermos ao simplismo dos prós e contras, vale ter em mente que é possível mitigar riscos com medidas simples. Um bloco é regulatório: é preciso vedar IAs educacionais que transcendam sua função de base e sirvam de amigo imaginário, assim como estabelecer normas limitando o condicionamento algorítmico para a incorporação dos "valores da escola" e outras ideologias que nada têm a ver com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), a qual precisará ser atualizada.

A regulação do tempo máximo de uso dessas tecnologias também merece discussão.

O outro é metodológico: é melhor evitar o uso da tecnologia para eliminar a angústia da folha em branco e o conhecimento do novo —assistentes que sempre dão o primeiro empurrão formam pessoas sem iniciativa— e dar ênfase à superação de lacunas do passado. O EJA (Educação de Jovens e Adultos) agradece.

Por fim, precisamos de disciplinas que sirvam de metacognição da máquina, já que mesmo parecendo o contrário, esta não tem a menor ideia do que está fazendo.

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