Mudança na pós-graduação quer mais autonomia para instituições consolidadas abrirem cursos

Entidades dizem que novas regras agravariam desigualdades, já que Sul e Sudeste concentram beneficiadas; Capes e conselho nacional defendem 'modernização'

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São Paulo

Sob o argumento de modernizar o sistema de pós-graduação do país, o CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou uma nova regra que dá autonomia para que instituições de ensino consideradas consolidadas possam abrir novos cursos sem precisar de autorização da Capes.

O parecer do conselho ainda precisa ser homologado pelo Ministério da Educação para que as mudanças comecem a valer. Em nota, a Capes, órgão vinculado à pasta, disse ser favorável às alterações.

Um grupo de entidades científicas afirma que, se aprovada, a diferença de autonomia entre as instituições vai ampliar as desigualdades regionais e dificultar a interiorização da produção de pesquisas e conhecimento no país.

A imagem mostra um grupo de pessoas em um protesto, segurando cartazes. Um cartaz em destaque é rosa e diz 'REVOLTA DO DINHEIRO É EDUCAÇÃO'. Outros cartazes têm mensagens como 'EBA RESISTE' e 'CONTRA O FIM'. O ambiente é de agitação, com várias bandeiras e cartazes visíveis ao fundo.
Estudantes protestam no centro do Rio de Janeiro contra corte de verbas para universidades, que afeta, por exemplo, o pagamento de bolsas - Eduardo Anizelli - 7.dez.2022/Folhapress

Pelos critérios estabelecidos, apenas 17 instituições de ensino poderiam ser classificadas como consolidadas —14 delas estão no Sul e no Sudeste. Há apenas uma, a UnB (Universidade de Brasília), é do Centro-Oeste, e duas estão no Nordeste: a UFC (Federal do Ceará) e a UFPE (Federal de Pernambuco). Nenhuma no Norte se beneficiaria da maior autonomia.

O documento do CNE definiu que vão ser enquadradas como "instituições consolidadas" aquelas que têm ao menos dez programas de pós-graduação nos maiores níveis de avaliação da Capes, ou seja, com notas 6 ou 7. Maiores notas ajudam a garantir mais recursos financeiros.

Por isso, as entidades dizem que a nova regra vai concentrar ainda mais recursos (os auxílios e bolsas para os pesquisadores) para instituições e regiões que historicamente já recebem mais fomento.

"Algumas poucas instituições, que já são historicamente aquelas que concentram mais recursos para pesquisa, vão ter a vantagem de abrir novos programas sem precisar do crivo da Capes. Elas vão ter um potencial de atrair mais recursos, sendo que o país precisa investir naquelas regiões em que ainda não há programas tão consolidados e onde a interiorização da pós-graduação é mais recente", diz Charles Morphy.

Ele é presidente da Foprop (Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação), entidade com representantes de 273 universidades estaduais e federais de todo o país. O fórum pede que o ministro Camilo Santana não aprove a nova regra.

"O Foprop solicita que o MEC exclua o item [que cria a regra] garantindo isonomia na proposição de programas de pós-graduação, que devem todos ser avaliados pela Capes seguindo o mesmo instrumento, e evitando, por fim, o aprofundamento do fosso de desigualdade que, infelizmente, ainda grassa no Sistema Nacional de Pós-Graduação", diz o documento enviado ao ministro.

A Abruem (Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais) e a Animes (Associação Nacional de Instituições Municipais de Ensino Superior), que juntas reúnem 75 instituições de ensino, também se manifestaram contrariamente à nova regra.

"Esse critério aponta um forte entrave para a redução de assimetrias, considerando, especialmente, as regiões em que o desenvolvimento da pós-graduação é recente. Ressaltamos que a Abruem representa as instituições nas quais o ensino de pós-graduação está mais capilarizado na direção dos interiores dos estados, e que levam o conhecimento científico às mais remotas regiões do país", diz ofício da entidade.

Nos últimos anos, o país vem discutindo estratégias para reduzir a concentração dos programas de pós-graduação nas regiões Sul e Sudeste —juntas, elas reúnem 48% dos cursos de mestrado e 60,8% dos doutorados oferecidos no Brasil.

"Essa mudança vai na contramão do que temos discutido como prioridade para o sistema de pós-graduação do Brasil, de que o país precisa levar mais programas e ciência para o interior e regiões que historicamente não foram privilegiadas", diz Morphy.

"A concentração dos programas de pós-graduação no Sul e Sudeste estimula a migração de pessoas de outras regiões e retira o estímulo para pesquisas que poderiam trazer contribuições para essas áreas, nos interiores, no norte e nordeste", conclui.

Luiz Roberto Curi, relator do documento aprovado pelo CNE, defendeu a nova regra e negou que ela vá provocar mais desigualdades no sistema.

Segundo o documento do conselho, a medida tem como objetivo modernizar o sistema de pós-graduação no país, deixando que instituições com reputação tenham mais liberdade para inovar na abertura e formulação de novos cursos.

"Entende-se que é o momento de explorar as potencialidades do sistema existente, conferindo maior liberdade às instituições para uma gestão mais autônoma, inovadora e responsável da sua pós-graduação, sem prejuízo à qualidade da pós-graduação e sem que isso resulte em uma fragilização dos rigores inerentes aos padrões internacionais", diz o documento.

Em nota, a Capes também defendeu o novo modelo como uma forma de estimular programas de pós-graduação em maior sintonia com "um mundo cada vez mais interdisciplinar e sem fronteiras" e diz que as desigualdades nessa etapa de ensino têm sido perpetuadas pelas regras atualmente em vigor.

"Para resolver as assimetrias é preciso uma política direcionada para o conjunto de instituições localizadas nas regiões com menos oferta de pós-graduação, levando em consideração as diferenças históricas e possibilitando a criação de pós-graduação por demanda induzida", diz a nota.

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