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IA generativa: boa governança pode fortalecer a democracia

Para o secretário-geral da ONU, tecnologia tem potencial para aprimorar a participação pública plena e ativa

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Patricia Blanco

Presidente do Instituto Palavra Aberta

Cada vez mais ouvimos falar em inteligência artificial (IA) generativa, uma tecnologia que caminha a passos largos e tem o potencial de tumultuar ainda mais o ecossistema informacional se não for usada com responsabilidade. Nesse cenário, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem clamado por uma governança que permita mitigar tais riscos e, ao mesmo tempo, ampliar os benefícios que também são esperados com a IA, em áreas como a medicina e outras ciências, assim como a participação cidadã.

Desenho mostra contorno de uma cabeça em preto, com pontos ligados por fios brancos
Estudo procurou padrões no processamento de dados de uma inteligência artificial, similares aos encontrados em análises do cérebro humano - Divulgação/Anthropic

Em recente entrevista à Folha, o historiador israelense Yuval Noah Harari, afirmou que a inteligência artificial (IA) generativa é a tecnologia mais poderosa da história e, sem regulação, representa um perigo existencial à humanidade. Por outro lado, o pesquisador destaca que a tecnologia tem potencial decisivo na superação dos principais desafios do planeta. "Pode criar o melhor sistema de saúde da história e ajudar a prevenir o colapso ecológico."

Já o mau uso da IA generativa, entre eles a capacidade de potencializar a desinformação e o discurso de ódio, fere a liberdade de escolha dos cidadãos, sobretudo em período eleitoral, enfraquecendo os valores democráticos. Ao mesmo tempo, segundo Harari, abre espaço para práticas autoritárias, possibilitando a "criação de regimes de vigilância total".

Em 2024, quase metade da população global foi ou vai às urnas, e as mentiras aprimoradas por IA generativa ou outras tecnologias de ponta, muitas delas de fácil acesso, foram e estão sendo largamente utilizadas, colocando em risco a lisura dos processos eleitorais e confundindo o processo de decisão dos eleitores. O problema ficou evidenciado em disputas ocorridas em diferentes regiões, tais como na Europa e na Índia, já encerradas, e nos Estados Unidos, ainda em andamento.

No Brasil, em meio às eleições municipais, a desinformação também tem circulado nas redes sociais. Foi o caso de um vídeo no qual supostamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apoia e pede voto à candidatura de Pablo Marçal (PRTB) à Prefeitura de São Paulo (SP), visto em agosto nas mídias sociais. Tratava-se de uma deepfake, conforme ficou comprovado por checagem jornalística. A peça fraudulenta foi retirada do ar por determinação da Justiça Eleitoral, mas não é a única a ter circulado na disputa eleitoral — e nem deve ser a última.

Para enfrentar essa realidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atualizou, em fevereiro, a Resolução nº 23.610/2019 com uma série de medidas que têm por objetivo impedir o mau uso da IA generativa, incluindo a proibição de deepfakes (vídeo ou áudio). Uma infração pode resultar na cassação do candidato e inelegibilidade por oito anos.

De certa forma, a movimentação da Justiça Eleitoral coaduna com parte do que tem defendido o historiador Yuval Harari: a regulação da tecnologia da informação é uma tarefa que deve ser distribuída entre governos, corporações, tribunais, mídia, academia e ONGs. "Isso é complicado, mas a complexidade é uma característica da democracia", afirma.

Não é por acaso que, neste ano, o tema central do Dia Internacional da Democracia, a ser comemorado no próximo domingo (15), é a IA generativa como ferramenta para uma boa governança. Em mensagem, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, destaca que, se bem gerida, a tecnologia tem o potencial de promover e aprimorar a participação pública plena e ativa, a igualdade, a segurança e o desenvolvimento humano.

"Para aproveitar essas oportunidades, é fundamental garantir uma governança eficaz da IA em todos os níveis, inclusive internacionalmente", afirma ele. Do ponto de vista prático, o Órgão Consultivo de Alto Nível sobre Inteligência Artificial da organização produziu um robusto relatório com recomendações sobre como aproveitar os benefícios da IA generativa e, ao mesmo tempo, mitigar os riscos.

Está claro que a regulação não é o único caminho para a governança eficaz da IA generativa. Outras vias, tais como a educação, são de extrema importância. Em âmbito nacional, o Instituto Palavra Aberta, por meio do programa EducaMídia, promove o letramento midiático a partir da formação de professores e dispõe de uma série de recursos gratuitos sobre inteligência artificial.

Ensinar as habilidades necessárias para que as pessoas possam acessar, analisar, criar e participar de forma crítica do ecossistema de informações, sustentado por tecnologias que avançam de forma acelerada, contribui para estabelecer uma dieta informacional em um meio que, para Yuval Harari, está inundado por lixo. O conhecimento tem alto poder transformador e, certamente, é a nossa bússola rumo a um futuro no qual a IA generativa servirá "a humanidade de forma equitativa e segura", como defende a ONU.

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