'Jogos da Fast Food da Política conseguem abrir diálogo', diz hacker

ONG propõe gamificação para vencer polarização política e promover engajamento cidadão

Cristiano Cipriano Pombo Ana Paula Franzoia
São Paulo

Foi durante uma longa viagem de ônibus para Brasília (DF), em 2015, que Gustavo Alencar, designer e coordenador do Lab Hacker, conheceu a designer Júlia Fernandes de Carvalho, 24, fundadora do Fast Food da Política e finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro.

Era uma viagem organizada pelo Lab Hacker, laboratório de cultura digital. Eles chegariam à capital federal no dia em que estavam marcadas grandes manifestações políticas contra e a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff e queriam aproveitar a ocasião para propor uma reflexão sobre política.

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Gustavo Alencar, designer e hacker e coordenador web do Lab Hacker
Gustavo Alencar, designer, hacker e coordenador web do Lab Hacker - Renato Stockler

Júlia teve a ideia de criar um jogo que fosse divertido e educativo. Com a ajuda de Gustavo e dos outros passageiros, com tesouras, papelão e papel nas mãos, eles foram construindo uma nova forma de educação política, ao mesmo tempo séria e divertida.

Na capital do país, montaram uma tenda entre os manifestantes e lançaram suas cartas. O jogo deu origem a Fast Food, nome criado coletivamente também, e foi capaz de trazer leveza e criar pontes entre pessoas que estavam de lados opostos, em um momento político tenso.

“Aquela viagem foi uma quebra de paradigmas. Tudo o que eu enxergava como certeza na minha vida se quebrou”, lembra Gustavo. Para ele, é essa capacidade de criar diálogos que torna a Fast Food da Política tão interessante. “As pessoas jogam e, depois, querem levar para casa, para jogar com a família. As conversas depois do jogo ficam muito mais qualificadas.”

 

Conheci a Júlia [Fernandes de Carvalho] e a Fast Food em uma viagem de ônibus para Brasília. Como chegaríamos à cidade no dia de uma grande manifestação política, a Júlia propôs fazer algo a partir de um jogo que havia criado para o TCC [trabalho de conclusão de curso] dela, o Athos.

Em 48 horas, com papelão, tesoura e papel, com todo mundo que estava no ônibus junto, começamos a prototipar esses jogos de provocação política. Ali nascia a Fast Food. A ideia era criar um processo de educação política por meio desses jogos rápidos, na rua, com pessoas que estavam de passagem. 

O nome surgiu porque queríamos algo que fosse rápido e que batesse de frente com a pessoa e não tomasse muito tempo dela. Em Brasília, a gente chegou com um certo receio, mas as pessoas foram vindo e jogando e percebemos que tínhamos algo muito legal, que atingia todo mundo. 

A Fast Food consegue abrir o diálogo, algo muito difícil, especialmente quando o assunto é política. E abre também os códigos da política, que é um dos mais complicados, se você imaginar que temos coisas que vêm desde a fundação do país, da República.

O jogo rompe barreiras porque é divertido, rápido. Tanto que, todas as pessoas que jogam querem comprar para brincar com a família. Você pega seu tio, sua avó para jogar, e em cinco minutos o diálogo está mais qualificado. 

A graça da Fast Food é que pode ser aplicado em qualquer lugar, em uma aldeia indígena ou dentro de um escritório, na escola ou na rua. O jogo não tem posicionamento político, o objetivo dele é provocar e criar uma brecha para aprofundar a conversa. 

Nele, você aprende quando erra, pois será levado a uma reflexão. Por que eu não sei isso? Por que eu estou discutindo, por exemplo, políticas públicas e não sei nem isso aqui, que é básico?

Quanto mais democrático for o espaço onde o jogo acontece, mais eficaz ele será, pois tem mais chances de reunir duas ideologias, dois discursos opostos. 

O maior desafio da Fast Food é equilibrar a leveza de uma brincadeira com a complexidade do tema. Como colocar questões essenciais na discussão política com critério e seriedade, com base em estudos e pesquisa?

Em quase todos os jogos é possível inventar um lugar, um personagem. Na Fast Food a matéria-prima é a realidade. Não é fácil tornar o jogo divertido sem deixar de lado o objetivo de educar.

Por isso a Júlia é uma empreendedora das boas. Consegue sistematizar um projeto como um todo, coloca nos eixos, define o público. Não é à toa a Fast Food ter crescido tanto. Ela sabe criar pontes, parcerias.

Eu cheguei ao Lab Hacker em 2014, e em 2015 a gente entrou naquele ônibus. Tudo o que eu enxergava como certeza na minha vida se quebrou naquela viagem. E, como hacker, posso dizer que a Fast Food, com essas quebras de paradigmas, hoje me constrói politicamente. Fui hackeado!

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