Descrição de chapéu Dias Melhores

Jovem sansei leva luz a povos isolados com lampião de PET

A Litro de Luz impacta 13 mil brasileiros com tecnologia simples e eficiente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carauari (AM)

Aos dez anos, ela usava garrafa PET como material alternativo para fazer crachá em trabalho de escola.

Aos 17, Laís Higashi participava de um projeto de empreendedorismo com colegas do ensino médio, no qual fizeram um protótipo de luminária de garrafa de plástico.

Aos 27, as embalagens são usadas pela presidente da ONG Litro de Luz para iluminar comunidades isoladas.

“Sempre tive essa consciência de reutilizar coisas. Na minha casa é desperdício zero”, diz a sansei, nascida em Londrina (PR), representante da terceira geração de imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil no pós-guerra. 

Formada em administração pela USP, a paranaense optou pelo empreendedorismo social para espanto da família.

“Meu pai não entendia o que era a ONG e perguntava: ‘Quando você vai começar a trabalhar e se sustentar?’.”

Laís se tornou presidente da organização há quatro anos, ao assumir a liderança no Brasil do movimento global fundado pelo filipino Illiac Diaz, que já levou luz a mais de 1 milhão de pessoas no mundo.

O desafio por aqui, diz ela, é tirar da escuridão 2,5 milhões de brasileiros que não dispõem de energia elétrica em pleno século 21.

Como ribeirinhos da Amazônia, que hoje podem contar com um lampião feito de garrafa PET, tubos de PVC e bateria alimentada por pequena placa solar. A solução de baixo custo é uma das oferecidas pela ONG, que ganhou braço de negócio social e introduziu inovações como o poste feito de materiais reciclados.

Cerca de 13 mil brasileiros já foram impactados por ações ou produtos da Litro de Luz. “Estamos levando energia, mas também esperança, iluminando outras possibilidades onde atuamos”, diz Laís.

A Folha acompanhou uma visita às comunidades do Médio Juriá (AM), onde 620 famílias receberam em 2018 um kit de iluminação, dentro do Projeto Território, da Asproc (Associação dos Produtores Rurais de Carauari).

Com seu motor barulhento, a lancha se move velozmente rio Juruá acima numa manhã de céu nublado e vento frio na imensidão amazônica, rumo às comunidades mais isoladas do município, que se espalha por 47 localidades ribeirinhas.

É ali que a Litro de Luz plantou sua maior ação em terras brasileiras. A bordo do barco estão Laís, o namorado, o engenheiro Leonardo Uematsu, 31, duas voluntárias e embaixadores treinados pela ONG e espalhados pelos povoados.

O destino é Bauana, onde seria realizado um curso de capacitação para que os embaixadores estejam aptos a fazer manutenção dos lampiões.

Um ano depois, é hora de medir o impacto da tecnologia social na região. Laís se emociona com histórias de moradores que antes comiam no escuro correndo o risco de engasgar com espinha de peixe. Seringueiros e agricultores usam o lampião para atravessar a floresta no escuro e se livrar de picada de cobra.

Mesmo nas localidades que dispõem de gerador à diesel, os lampiões da Litro de Luz são energia barata e renovável para suprir necessidades que vão bem além das três horas diárias fornecidas pelo gerador a um custo que pesa no bolso das famílias ribeirinhas.

Impacto é o combustível que move a neta de dona Ryoko, que transformou a antiga fábrica de shoyu da família em um orfanato para acolher órfãos da guerra, em Hokaido, no norte do Japão.

Laís visitou o local quando tinha 17 anos. Ganhou a viagem para conhecer suas origens, após vencer uma das etapas do concurso Miss Nikkey, durante a celebração dos cem anos da imigração japonesa no Brasil, em 2008.

“Senti muito orgulho de ver aquela sociedade tão organizada, limpa, onde tudo funciona. Ao mesmo tempo, não sou aquilo, sou mais brasileira”, diz a ex-modelo, que ficou em quinto lugar na disputa nacional, evento apresentado por Sabrina Sato, outra beldade nipo-brasileira.

Com 1,70 m e 62 kg, cabelos longos, Laís fez trabalhos de modelo na adolescência, mas diz que não se sentia confortável naquele mundo.

Os pais queriam que cursasse medicina, mas ela descobriu a veia empreendedora e optou por administração. “Minha família é de mulheres empreendedoras, e elas nem se chamavam assim.” A mãe foi dona de escola, a tia, de um jornal. “Elas iam fazendo as coisas acontecerem, criavam, trabalhavam duro. Isso estava dentro de mim.”

Na faculdade, a estudante já sentia vontade de fazer algo para a sociedade, mas, diante da pressão familiar por uma carreira convencional, imaginava-se trabalhando em empresas e doando para ONGs.

Até que ouviu o lema da Artemisia em um evento: “Entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, fique com os dois”. “Isso abriu minha cabeça. É o que quero”, disse, sobre o conceito de negócios sociais.

Ganhou uma bolsa na USP e foi para o Paquistão por dois meses conhecer o trabalho de Muhammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz. Fez entrevista com o “banqueiro dos pobres” para o trabalho de conclusão da graduação, intitulado Competitividade dos Negócios Sociais - Estudo de Caso entre Brasil e Bangladesh.

Passou um domingo com o guru. “Já tinha ele como modelo, mas a experiência pessoal com Yunus me passou a confiança de que é possível.”

E, em pouco tempo, Laís testou o poder da tecnologia social que descobriu durante uma temporada de estudos na França. O Litro de Luz já tinha um representante no Brasil, Vitor Belota, com quem começou a colaborar. O trabalho voluntário cresceu a ponto de Laís assumir o comando da ONG, quando o fundador decidiu trilhar outros caminhos. Tempos depois, convenceu o namorado a abandonar carreira de consultor e se tornar vice-presidente de operações e tecnologia no projeto de impacto social.

Em 2016, os esforços começaram a mostrar resultados. Laís ganhou o Saint Andrews, um prêmio de US$ 100 mil conferido pela Universidade da Escócia, com o qual financiou a primeira ação da Litro de Luz na Amazônia.

No ano seguinte, levou o Prêmio de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil, que permitiu desenvolver projeto na comunidade quilombola Kalunga, em Goiás. 

Para tornar a organização sustentável, passaram a oferecer serviços, como voluntariado corporativo, em que empresas pagam de R$ 40 mil a R$ 300 mil por ações em comunidades carentes de energia engajando funcionários.

Modelo de atuação que confirmam a Laís de que “é possível” trabalhar com propósito de transformar vidas. E se sustentar e manter viva uma causa que ilumina também o caminho da neta de dona Ryoko.

Litro de Luz

Fundação
2014

Formato
ONG

Área de atuação
Desenvolvimento local e cidadania

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.