Descrição de chapéu Coronavírus

Engajamento cai e aumenta a pressão por doações nas periferias

Organizações tentam conter a emergência que se agrava em alguns estados

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São Paulo

Com queda de mais da metade da renda para a maioria das classes D e E, as favelas brasileiras concentram a parte da pirâmide mais prejudicada pela crise do novo coronavírus.

Com a falta de alcance de políticas públicas nessas regiões, organizações e movimentos sociais se unem a líderes comunitários para combater o contágio, a fome e o desespero nas periferias do país.

É o que tem feito o movimento UniãoBR, que em menos de dois meses de atuação já alcançou 19 estados brasileiros, beneficiando mais de 1,7 milhão de pessoas em situação de vulnerabilidade com doação itens de higiene e alimentos, que já ultrapassaram as 5.000 toneladas.

A organização tem dedicado seus esforços recentes ao fortalecimento das comunidades do Norte e Nordeste, com atenção especial ao Amazonas, cujo sistema de saúde já entrou em colapso.

Só na última semana foram doados 3.000 EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para o Sindicato dos Médicos do Amazonas, que fica responsável pela distribuição dos equipamentos aos hospitais e unidades de atendimento que estiverem mais defasados.

“A situação é desesperadora, você chega no hospital e já te mandam embora”, conta a presidente do movimento, Tatiana Monteiro de Barros, referindo-se à capital Manaus. “Lá precisa de tudo. Já mandamos um monte de EPIs, um monte de alimentos, mas ainda falta muita coisa.”

O foco agora, segundo a presidente, é descentralizar as contribuições que chegam em massa no Sudeste, direcionando-as para as regiões que mais precisam. Além do Amazonas, Ceará e Pernambuco são outros dois pontos de atenção da organização, com mais de 470 mil pessoas já atendidas pela distribuição de alimentos.

Duas mulheres na frente de uma casa de madeira segurando uma cesta básica
A faxineira Chintia Rodrigues (à direita) e sua filha, após receber doações da campanha Rio Contra Corona - Bruno Itan/Rio Contra Corona

Concentrando grande parte do número de favelas do país, a União Rio trabalha dia e noite para conter os avanços da Covid-19 e os impactos da crise econômica na periferia do estado.

A campanha “Rio Contra o Corona”, idealizada pelos institutos Phi, Banco da Providência e Ekloos, já arrecadou mais de R$ 10 milhões e entregou 1.200 toneladas de alimentos a 178 comunidades fluminenses, impactando mais de 100 mil famílias.

A União Rio também usou R$ 18 milhões arrecadados para ativar 200 leitos no hospital de campanha da Prefeitura, e reabriu outros 60 leitos intensivos no Hospital Universitário do Fundão. Foram doados pelo movimento cinco respiradores, 62 monitores e 50 mil máscaras N95.

Já a União São Paulo tem voltado sua atuação à distribuição de cestas básicas, que alcança a faixa das 300 mil. Até agora, foram R$ 17,5 milhões arrecadados e mais de 30 favelas atendidas.

A UniãoBR não fica com doações, apenas repassa aos estados conforme a necessidade. Toda a equipe é voluntária e os recursos são captados por meio de financiamentos coletivos, parcerias com empresas e até mesmo em lives de artistas famosos, como a da cantora Ivete Sangalo em 25 de abril.

De acordo com Tatiana, houve uma diminuição do montante de doações com o passar das semanas. A presidente relata que, apesar de um grande número de apoiadores, são doados valores cada vez menores, já que a crise econômica do vírus alcança todos gradativamente.

As entregas dos alimentos e itens de higiene arrecadados pelo movimento são geralmente feitas pela Cufa (Central Única das Favelas).

Presidida por Preto Zezé, a Central está presente em todos os estados brasileiros e em 17 países. No Brasil, são mais de 5.000 favelas atendidas por 100 mil voluntários.

Visando o fortalecimento das mães solteiras de periferia, a Cufa lançou em abril a campanha Mães da Favela. Em parceria com o Instituto Unibanco, a iniciativa oferece uma bolsa mensal de R$ 120 para 10 mil mulheres durante o período de pandemia.

Além da renda mínima e da parceria com o UniãoBR, a Central também tem abastecido diariamente as favelas atendidas com alimentos que recebe de empresas parceiras.

A Kraft Heinz, detentora dos molhos Heinz, doou nesta semana cerca de 19 toneladas de alimentos para a Cufa de Goiás, além de outras mais de 11 toneladas doadas à ONG Banco de Alimentos, que atua nacionalmente no combate à fome.

A Central também foi beneficiada pelo movimento rentável das lives de quarentena. Em parceria com empresários, entre eles líderes da Natura, Nubank e XP Investimentos, arrecadou via transmissões ao vivo feitas no final de abril mais de 100 toneladas de alimentos, destinadas à comunidade de Heliópolis, em São Paulo.

Outra operação de alcance nacional é a da ONG Gerando Falcões, presidida por Edu Lyra. Além de ter articulado um fundo de R$ 8 milhões a partir de doações de grandes empresários, Lyra cabeceou a campanha “Corona no Paredão” para alimentar as comunidades de São Paulo, Ceará, Espírito Santo e Minas Gerais durante a pandemia.

A iniciativa distribuiu cartões de alimentação que dão acesso a cestas básicas digitais, que custam R$ 50 cada. A meta é enviar seis cestas a cada família atendida, para que consigam sobreviver com o mínimo necessário por três meses.

Até agora, foram distribuídas quase 230 mil cestas básicas digitais pelos estados atendidos.

Na capital paulista, destaca-se a atuação de Gilson Rodrigues, coordenador nacional do G10 das Favelas e presidente da União dos Moradores de Paraisópolis.

A operação na comunidade de mais de 100 mil habitantes é composta por dez iniciativas, que contemplam desde a distribuição diária de refeições até o atendimento da população doente por ambulâncias e equipe médica contratada.

Há mais de um mês a população é monitorada e orientada pela estratégia de guerra proposta por Rodrigues: cada grupo de 50 casas fica sob responsabilidade de dois voluntários denominados presidente e vice-presidente de rua.

É essa dupla quem garante o isolamento social, orienta as famílias, distribui as doações e aciona o socorro quando algum morador apresenta os sintomas do coronavírus.

Esse socorro é prestado por três ambulâncias que funcionam 24h na comunidade, com uma equipe formada por oito profissionais da saúde. É a iniciativa mais cara entre as criadas pela União dos Moradores: R$ 5.000 por dia.

“Nossa principal necessidade hoje é manter as ambulâncias funcionando, e a outra é alimentação”, diz o presidente, que pede que a sociedade continue financiando a operação. Assim como a presidente do UniãoBR, ele relata a queda no engajamento ao longo das últimas semanas, dificultando e atrasando implementação das ações de combate à pandemia.

Sem depender de políticas públicas, que segundo Rodrigues não chegam ali, Paraisópolis conta com a distribuição de 10 mil marmitas por dia, um milhão de máscaras em produção, uma brigada de emergência em treinamento e um Abrigo Social, espaço equipado para atender moradores com sintomas leves da Covid-19.

Tudo isso graças à mobilização da comunidade, liderada por Gilson Rodrigues e apoiada pelo G10 Favelas, que já replicou as iniciativas em 361 comunidades espalhadas por 12 estados.

“Somos nós os agentes da nossa própria transformação”, afirma o líder comunitário. Sem muitas expectativas sobre o que o governo vai fazer em relação às periferias, ele considera que os sinais e falas que estão sendo dados são claros e “demonstram um abandono total das favelas”.

A BrazilFoundation, organização pioneira em filantropia no Brasil, recebeu um aporte de R$ 2,6 milhões da Mubadala Investment Company, empresa global de investimento que está presente no Brasil desde 2012, para apoiar organizações sociais atuantes em comunidades vulneráveis no Rio de Janeiro e Minas Gerais.

O valor está sendo utilizado na compra e distribuição de cestas de alimentos, álcool gel, produtos de higiene e outras necessidades específicas estipuladas por cada organização selecionada. Todos os itens estão sendo comprados de pequenos comerciantes locais que também vêm sofrendo os efeitos da crise.

No Rio de Janeiro, parte da doação foi dividida entre três instituições: Fundação Angélica Goulart, Associação Saúde Criança e Redes da Maré, atendendo 2.370 famílias. Já em Minas Gerais, serão beneficiadas 3,3 mil famílias que vivem em vulnerabilidade nos municípios de São Joaquim de Bicas e Igarapé, nos quais Mubadala tem operações. Os aportes nestes projetos devem cobrir o apoio para três meses de doações.

Saiba como doar para essas e outras instituições que aliviam o impacto do coronavírus

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