Estudo associa aumento do risco de câncer de pele ao consumo de peixe

Especialistas alertam que não é preciso abandonar o alimento; melhor forma de evitar a doença é limitar exposição a raios UV

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Alice Callahan
The New York Times

Um grande estudo publicado em 8 de junho encontrou uma ligação surpreendente entre a ingestão de peixes e o desenvolvimento de melanoma, o tipo mais grave de câncer de pele.

A descoberta levanta perguntas sobre possíveis ligações entre a dieta e o melanoma, mas a principal autora do estudo e outros especialistas alertaram que isso não deve ser uma razão para se evitar o consumo de peixe. Os resultados também não modificam o conselho mais importante para reduzir o risco de melanoma: limitar a exposição aos raios ultravioleta (UV) do sol ou das camas de bronzeamento.

O novo estudo, publicado na revista Cancer Causes & Control, avaliou dados de mais de 490 mil adultos nos Estados Unidos entre 50 e 71 anos de idade, que estavam inscritos no Estudo sobre Dieta e Saúde do NIH-AARP (Instituto Nacional de Saúde/Associação Americana de Aposentados).

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Dieta pode afetar o risco de desenvolver câncer de pele - Pixabay

No início do estudo, os participantes preencheram questionários detalhados, incluindo informações sobre a ingestão de peixes. Eles foram acompanhados durante aproximadamente 15 anos para rastrear diagnósticos de câncer entre o grupo. Comparado com as pessoas que quase não comiam peixe, o grupo que comia mais –em média 287 gramas, ou cerca de três porções, por semana– teve 22% mais casos de melanoma maligno, descobriram os pesquisadores.

Não está claro por que comer peixe pode afetar o risco de uma pessoa desenvolver melanoma, disse Eunyoung Cho, professora associada de dermatologia na Universidade Brown e principal autora do estudo. "Acreditamos que não é o peixe em si, mas provavelmente algum contaminante que está nos peixes", disse ela.

Outros estudos descobriram que as pessoas que comem mais peixe têm níveis mais altos de metais pesados, como mercúrio e arsênico, no corpo. Esses mesmos fatores de contaminação estão associados a um maior risco de câncer de pele, observou Cho. No entanto, seu estudo não mediu níveis de contaminação nos participantes, e há necessidade de mais pesquisas para explorar essa ligação, disse ela.

"Eu não desencorajaria as pessoas a comerem peixe apenas por causa de nossa descoberta", disse Cho. Comer peixe está associado a um menor risco de doenças cardiovasculares e talvez até a outros tipos de câncer, apontou ela. ​

A Sociedade Americana do Câncer recomenda consumir peixes, aves e feijão com maior frequência do que carnes vermelhas, e a AHA (Associação Americana do Coração, em português) aconselha comer duas porções de peixe por semana para a saúde cardíaca. (Uma porção equivale a 86 gramas de peixe cozido, de acordo com a AHA, ou cerca de três quartos de uma xícara de peixe em lascas.)

Outros especialistas foram igualmente cautelosos ao interpretar as conclusões do estudo. "Ele não altera as recomendações dietéticas de se ingerir peixe como parte de uma dieta saudável para o coração, anti-inflamatória ou de prevenção geral do câncer", escreveu em um email Carrie Daniel-MacDougall, professora associada de epidemiologia no Centro do Câncer MD Anderson na Universidade do Texas.

A dra. Daniel-MacDougall liderou uma análise anterior, com um período de acompanhamento mais curto e menos variáveis, do mesmo grupo do NIH-AARP incluído no estudo mais recente.

O trabalho dela, publicado em 2011, também encontrou uma correlação entre a ingestão de peixes e o risco de melanoma. No entanto, o estudo do NIH-AARP foi originalmente projetado para rastrear vários tipos de câncer, e não mediu fatores de risco importantes e conhecidos de melanoma, como um histórico de queimaduras solares ou maior exposição aos raios UV ao longo da vida, escreveu Daniel-MacDougall.

Pessoas com esses fatores de risco podem ter passado mais tempo ao sol –talvez na praia ou pescando– e também podem ter maior probabilidade de consumir frutos do mar, apontou ela. Sem mais informações, é impossível determinar se é o peixe, o tempo ao sol ou algum outro fator que aumenta o risco de melanoma.

Sancy Leachman, diretora do Programa de Pesquisa de Melanoma na Universidade de Ciência e Saúde do Oregon, disse que o novo estudo foi bem projetado e chamou as descobertas de "intrigantes". Mas quando "se processam grandes conjuntos de dados como este", disse ela, o que se encontra são correlações entre fatores, não evidências de que um causa o outro.

Esse tipo de estudo é bom para desenvolver novas hipóteses –que contaminantes encontrados em peixes podem aumentar o risco de melanoma, por exemplo–, mas eles precisam de muito mais pesquisas para ver se se sustentam.

"A ciência evolui, e você não pode fazer tudo da noite para o dia. Isso é apenas parte do processo", disse a dra. Leachman.

Muitos estudos identificaram correlações entre certos alimentos e tipos de câncer, mas em geral, quando mais estudos são realizados e os resultados são vistos como um todo, os efeitos se tornam menores ou desaparecem completamente.

Para o melanoma, em especial, estudos limitados revelaram algumas correlações estranhas e surpreendentes com certos alimentos. Comer mais frutas cítricas tem sido associado a um maior risco de melanoma em alguns estudos, mas não em todos, por exemplo. E carne vermelha e processada tem sido associada a um menor risco de melanoma, mas um maior risco de outros cânceres.

Quando se trata de correlações entre risco de câncer e alimentos específicos, "não fique assustado com dados incompletos que ainda precisam ser comprovados", disse Leachman. "Prenda-se às coisas testadas e comprovadas: coma bem, durma bem, exercite-se, tudo com moderação", disse ela. "Isso lhe dá a maior resiliência que você pode ter contra qualquer tipo de doença, inclusive câncer."

E para o melanoma, especificamente, "as práticas mais eficazes que temos de prevenção são limitar a exposição ao sol –ao longo da vida, começando na infância– e o rastreamento do câncer de pele", escreveu a dra. Daniel-MacDougall.

Comparado com os dados limitados sobre peixes e outros fatores dietéticos, há muito mais evidências para apoiar esse conselho, concordou a dra. Leachman. Ter tido cinco ou mais queimaduras solares ao longo da vida dobra o risco de melanoma, e usar uma cama de bronzeamento artificial pode aumentar o risco 75%, segundo a Fundação do Câncer de Pele.

Verifique sua pele regularmente para quaisquer manchas que pareçam ser novas, mutáveis ou incomuns, e consulte um médico se encontrar algo preocupante, disse Leachman. "Se você vir algo que parece diferente, não jogue fora", disse ela. "Quanto mais cedo você for examinada, melhor."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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