Perder peso diminui risco de desenvolver câncer, diz estudo

Adultos que passaram por cirurgia bariátrica tiveram risco 32% menor em relação aqueles que não emagreceram

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Anahad O'Connor
The New York Times

Um estudo grande e novo concluiu que pessoas que tiveram perda de peso significativa graças a cirurgia bariátrica ganharam um benefício notável: sua probabilidade de desenvolver câncer caiu nitidamente.

Publicado em 3 de junho no periódico médico JAMA, o estudo acompanhou mais de 30 mil adultos com obesidade por cerca de uma década. Foi constatado que aqueles que passaram por cirurgia para perda de peso tiveram risco 32% menor de desenvolver câncer e 48% menor de morrer de câncer, comparados a um grupo semelhante de pessoas que não fizeram a cirurgia.

Ao longo do período coberto pelo estudo, as pessoas que fizeram cirurgia para perda de peso perderam em média 25 quilos mais que as outras. Os cientistas descobriram que quanto mais peso foi perdido, mais o risco de câncer se reduziu.

Mulher observa o movimento na Times Square, em Nova York
Mulher observa o movimento na Times Square, em Nova York (EUA) - Lucas Jackson/Reuters

A obesidade é um importante fator de risco de câncer. Autoridades de saúde vinculam o sobrepeso a taxas maiores de muitos tipos de câncer. O novo estudo é um dos maiores e mais rigorosos a sugerir que o risco aumentado pode ser revertido em pessoas que perdem quantidades substanciais de peso.

A pesquisa enfocou a perda de peso através de cirurgia bariátrica, mas seu autores especularam que o benefício se aplicaria também a perdas de peso conseguidas por outros métodos, como dieta e exercícios ou o uso de medicamentos. Steven E. Nissen, um co-autor do estudo, disse que as conclusões "oferecem mais um motivo pelo qual pessoas obesas devem perder peso".

"Trata-se de uma mensagem importante de saúde pública", disse Nissen, diretor acadêmico do Instituto Cardíaco, Vascular e Torácico da Clínica Cleveland. "Acho que boa parte do público não tem consciência ou não entende que a obesidade é um fator de risco tão grande de câncer e certamente não entende que esse risco é reversível."​

Uma especialista não envolvida no estudo, Ania Jastreboff, disse que o estudo demonstra que tratar a obesidade e obter reduções de peso "clinicamente significativas" pode melhorar os resultados de saúde dos pacientes. "É uma descoberta realmente importante", disse ela, que é professora na Yale School of Medicine e diretora de controle de peso e prevenção da obesidade no Yale Stress Center.

De acordo com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), a obesidade é uma causa importante de cânceres evitáveis, ao lado do tabagismo, alcoolismo pesado e exposição à radiação ultravioleta.

Pessoas com sobrepeso ou obesas têm risco maior de desenvolver 13 tipos diferentes de câncer, entre eles o câncer do endométrio, de mama, renal, hepático, do esôfago e colorretal. O CDC estima que os 13 tipos de câncer ligados à obesidade compõem 40% de todos os cânceres diagnosticados anualmente nos Estados Unidos.

Não está inteiramente claro por que a obesidade parece promover o câncer, mas um fator potencial é a inflamação. Estudos revelam que as células adiposas liberam no fluxo sanguíneo uma série de proteínas inflamatórias conhecidas como citocinas, que se descobriu que estimulam as células cancerígenas.

Muitos cientistas pensam que esse estado de inflamação crônica causado pelas células adiposas é também uma das razões por que pessoas com obesidade têm taxas maiores de complicações decorrentes do Covid-19.

As células adiposas são muitas vezes vistas como sendo inertes –"ficam simplesmente paradas, sem fazer nada", disse Nissen. "Na realidade, porém, elas são metabolicamente ativas. Pensamos que a inflamação crônica produzida pela obesidade, por essas células adiposas muito metabolicamente ativas, é um dos mecanismos indutores do câncer."

De acordo com o CDC, as pessoas com obesidade tendem a ter níveis mais altos de hormônios como a insulina ou o fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1, ou IGF-1, que pode estimular o desenvolvimentos de cânceres do cólon, rins, próstata e endométrio.

A cirurgia bariátrica pode levar a perda de peso substancial. Embora alguns pacientes acabem recuperando parte do peso perdido, estudos demonstram que a maioria das pessoas que faz cirurgia bariátrica consegue manter uma redução superior a 20% em seu peso uma década após o procedimento.

É muito mais do que as pessoas com obesidade normalmente conseguem perder e manter apenas com dieta e exercício.

Para o novo estudo, Nissen e seus colegas quiseram ver até que ponto uma perda de peso tão significativa afetaria os índices de câncer.

Eles recrutaram 5.053 pessoas com obesidade que haviam feito cirurgia bariátrica na Clínica Cleveland e as acompanharam. Cada paciente foi comparado a cinco outros pacientes semelhantes sob muitos aspectos. Eles tinham mais ou menos a mesma idade, sexo e raça, históricos médicos e índices de massa corporal semelhantes, mas não haviam passado por cirurgia para perda de peso.

O estudo envolveu ao todo mais de 30 mil participantes, dos quais 25.265 fizeram parte do grupo de controle. Os pacientes de ambos os grupos tinham idade média de 46 anos e IMC 45, classificado pelo CDC como obesidade grave. Isso equivale a uma pessoa de 1,72 m de altura e 136 kgs.

Segundo o CDC, pessoas com IMC de entre 25 e 30 são consideradas acima do peso e as que têm IMC superior a 30 são classificadas como obesas. Um estudo nacional grande publicado no ano passado concluiu que 42% dos adultos nos EUA são obesos e cerca de 9% têm obesidade grave.

Nem todas as pessoas com obesidade podem fazer cirurgia para perda de peso. Para se qualificar para isso, os pacientes geralmente devem ter IMC de pelo menos 40, ou IMC de 35 ou mais associado a uma condição ligada à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão ou doença cardíaca. No novo estudo, as pessoas que passaram pela cirurgia haviam feito procedimentos de bypass gástrico ou gastrectomia vertical.

Após uma década, os pacientes que fizeram a cirurgia haviam perdido em média 28 kgs, enquanto os do grupo de controle (aconselhados por seus médicos a tentar perder peso por conta própria) haviam perdido em média 2,7 kgs.

Um pouco menos de 3% dos pacientes que fizeram cirurgia haviam desenvolvido câncer, comparados com 4,9% dos pacientes do grupo não operado –o equivalente a uma redução de 32% no risco para aqueles que haviam feito cirurgia bariátrica.

De modo geral, os dados sugeriram que os pacientes precisavam perder uma quantidade grande de peso, pelo menos 20% a 25% de sua massa corporal, para observaram uma alteração benéfica em seu risco de câncer, disse o dr. Ali Aminian, autor principal do estudo e diretor do Instituto Bariátrico e Metabólico da Clínica Cleveland.

A redução do risco foi especialmente importante em relação ao câncer do endométrio, o câncer mais fortemente associado à obesidade.

Aminian e vários dos autores do estudo informaram ter recebido doações de pesquisa ou honorários de consultoria da Medtronic, empresa que fabrica aparelhos usados em cirurgias para perda de peso. Nissen revelou que recebeu financiamento de pesquisas de empresas que desenvolvem medicamentos para perda de peso, incluindo a Novartis e Eli Lilly.

Nissen disse que, embora o novo estudo tenha enfocado a cirurgia bariátrica, a mensagem é que as pessoas devem procurar perder peso da maneira que puderem, quer seja com dieta e exercício ou com assistência medicamentosa. Cerca de um 250 mil de pessoas por ano fazem cirurgia bariátrica nos EUA, disse Nissan, "mas deve haver 100 milhões de pessoas obesas".

"Não podemos fazer cirurgia bariátrica em um terço da população do país", ele comentou. "Simplesmente não é viável."

A obesidade frequentemente é retratada como sendo fruto da falta de força de vontade. Mas Ania Jastreboff, de Yale, destacou que desde 2013 a Associação Médica Americana reconhece a obesidade como doença crônica. Ela destacou que, como é o caso com qualquer outra doença crônica, as pessoas com obesidade não devem pensar que precisam encarar o problema sozinhas. Devem buscar ajuda de um médico ou outro profissional de saúde que possa lhes oferecer tratamentos seguros e eficazes.

"Quando um paciente me procura para falar de obesidade, uma das primeiras coisas que digo é que isso não é sua culpa, não é sua escolha", ela disse. "Não devemos culpar os pacientes por terem a doença da obesidade, do mesmo modo que não culpamos pacientes por terem diabetes ou hipertensão."

Tradução de Clara Allain

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