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Por que o termo 'atrofia vaginal' não deveria ser sinônimo de envelhecimento

Médicos dizem que expressão carrega conotação negativa para um processo que acomete várias estruturas do corpo da mulher

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Rachel E. Gross
The New York Times

Em 2019, quando Heather Corinna abriu um grupo de apoio no Facebook para pessoas passando pela menopausa e perimenopausa, um termo reaparecia com frequência. Integrantes do grupo haviam lido sobre isso online, ouvido seus médicos falarem disso e visto em suas fichas médicas. "Todo o mundo reagia mal", diz Corinna, que é educadora sexual queer e fundadora do site de educação sexual Scarleteen.

O termo em questão: atrofia vaginal.

Em meio aos muitos termos e às diversas transformações corporais que as pessoas estavam enfrentando, "atrofia vaginal" parecia encapsular uma multidão de receios em torno da sexualidade e do envelhecimento. "Afinal –atrofia!", afirma Corinna, que tem 53 anos e é não binária.

Textile background. Living Coral scarf.
Termo "atrofia vaginal" é cientificamente impreciso - Adobe Stock

"Eu sei que estou ficando mais velha e que o corpo vai mudando. Meus cotovelos não têm a mesma aparência que tinham no passado e não funcionam como antes, mas você não vai ouvir ninguém dizer que tenho atrofia cotovelar."

O termo foi abandonado oficialmente nos EUA anos atrás. Em 2013, a Menopause Society e a Sociedade Internacional para o Estudo da Saúde Sexual das Mulheres encarregou um painel de especialistas médicos de substituir o termo, visto cada vez mais como superado. As organizações escreveram que o termo "carrega conotações negativas para mulheres de meia-idade". Além disso, acrescentaram, "a palavra ‘vagina’ não é um termo amplamente aceito no discurso público ou na mídia".

Porém, como Corinna foi descobrir, "atrofia vaginal" continua a assombrar a literatura médica, além do atendimento médico e de saúde de pessoas passando pela menopausa. "Atrofia", na medicina, geralmente é usado para indicar uma perda ou adelgaçamento de tecido. No caso aqui, refere-se a tecidos que dependem do estrogênio, logo, tornam-se mais finos e perdem elasticidade na menopausa, quando os níveis do hormônio diminuem. Mas a vagina e a vulva não são as únicas partes do corpo afetadas por essas mudanças hormonais; a uretra e a bexiga também requerem estrogênio para funcionar corretamente.

Para muitas pacientes, o foco exclusivo sobre a vagina faz parecer que todos seus sintomas genitais estão sendo sexualizados. Na realidade, problemas que frequentemente são associados à relação sexual com penetração –secura, irritação, adelgaçamento dos tecidos— também provocam desconforto e dor com outras atividades cotidianas.

Stephanie Faubion, diretora do Centro de Saúde da Mulher da Clínica Mayo, recebe relatos de pacientes que têm dificuldade em se sentar no carro, vestir jeans ou enxugar-se depois de ir ao banheiro. Mas, como a terapia com estrogênio frequentemente é promovida principalmente para dor sexual, muitas pacientes não percebem que esses sintomas também poderiam ser tratados com estrogênio vaginal.

"É estranho o fato de haver esse foco apenas sobre a parte sexual do problema", afirma Faubion, que é também a diretora médica da Menopause Society. "Não estamos falando de medicamentos ditos de ‘estilo de vida’, como Viagra. São medicamentos que tratam muitos outros sintomas, não se limitam à questão sexual."

O enfoque excessivo sobre a vagina também obscurece o fato de que problemas urinários –incluindo incontinência, aumento da frequência urinária e infecções do trato urinário— frequentemente também estão relacionados à menopausa. Para muitas mulheres, esses sintomas podem ser tão incômodos quanto os genitais: as infecções de urina são responsáveis por 15% das hospitalizações de adultos mais velhos e podem levar ao delírio e até a morte.

"Passeis meus 20 anos e início dos 30 com uma infecção ininterrupta do trato urinário", conta Corinna, que é autora do livro "What Fresh Hell Is This? Perimenopause, Menopause, Other Indignities, and You" (Que novo inferno é este? A perimenopausa, a menopausa, outras indignidades e você, em português). "Não posso encarar isso de novo."

O termo "atrofia vaginal" não era apenas potencialmente ofensivo –também era clinicamente enganoso. Milhões de pessoas que passam pela menopausa têm sintomas tratáveis que nunca chegam a ser diagnosticados, afirma James Simon, professor clínico de ginecologia e obstetrícia na Escola de Medicina e Ciências da Saúde da Universidade George Washington e membro do painel que reavaliou o termo. "Pensamos que uma das razões disso é a terminologia inapropriada."

Em 2014 o painel acordou um novo termo que incorpora essas ideias: síndrome geniturinária da menopausa, ou SGM. Não é exatamente simpático, mas inclui o sistema urinário, e, diferentemente do termo "atrofia vaginal", "não encerra a ideia de vergonha, de algo que as mulheres fizeram errado", pontua Simon.

Havia um precedente de se mudar o termo que designa uma condição genital, para torná-lo mais aceitável aos pacientes. Em 1992 os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA substituíram o termo "impotência" por "disfunção erétil", ou DE. O raciocínio foi semelhante: "impotência" era visto como um termo impreciso e depreciativo, dando a entender que o problema era de origem sobretudo psicológica. Isso aumentava as barreiras à comunicação entre pacientes e médicos.

Mas, enquanto a DE se estabeleceu com firmeza no léxico médico e popular, o mesmo não aconteceu com a SGM. "Atrofia vaginal" ainda é o termo mais empregado pela maioria das firmas de terapia de estrogênio e também por muitos médicos. "Acho que nem todo o mundo conhece o termo ‘SGM’", afirma Faubion, que frequentemente tem que explicá-lo a seus colegas.

Na literatura médica da ginecologia e obstetrícia, as mulheres na faixa dos 15 aos 49 anos frequentemente são classificadas como sendo "de idade reprodutiva". Passar pela menopausa assinala "o fim da fase reprodutiva da vida da mulher", diz a North American Menopause Society e "o fim dos anos reprodutivos" das mulheres, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). (As duas opções são melhores do que a frase usada em um artigo científico de 2015: "o fim da competência reprodutiva".)

Esse tipo de linguagem pode ser desagradável. Além disso, já levou algumas mulheres a pensar que não podem engravidar quando estão na perimenopausa, o que não é o caso.

Pode ser útil e menos presunçoso definir a menopausa simplesmente pelo que está ocorrendo em seu corpo, afirma Judith Joseph, psiquiatra da NYT Langone Health e membro do conselho médico da ONG Let’s Talk Menopause.

"Seus ovários não estão mais ovulando", Joseph diz a suas pacientes. "Isso soa completamente diferente de falar em ‘anos reprodutivos’."

Tradução de Clara Allain

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