Maternidade provoca revolução no cérebro e requer apoio, diz escritora americana

Após ter o primeiro filho, Chelsea Conaboy começou a pesquisar sobre as mudanças na mente e no corpo

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Natal (RN)

Após ter o primeiro filho, oito anos atrás, a jornalista americana Chelsea Conaboy imaginou que algo poderia estar errado —dentro de si.

"Eu me sentia sobrecarregada de preocupação e me perguntava se alguma coisa, em mim, havia se quebrado ou tinha se perdido com a maternidade", diz.

A busca por respostas para o drama que vivia como mãe de primeira viagem a levou a um amplo universo de pesquisas sobre ansiedade pós-parto e transformações que o cérebro passa. Mudanças funcionais e estruturais nessa região do corpo saltaram aos seus olhos.

"Um ponto importante nisso", diz Chelsea, "é que essas mudanças são bidirecionais". "Nós falamos muito sobre como afetamos o desenvolvimento cerebral dos nossos filhos. Mas os filhos também são agentes ativos na formação dos nossos cérebros", explica, aos 41 anos, em entrevista à Folha.

Retrato da jornalista Chelsea Conaboy; ela é uma mulher branca de cabelos castanhos cacheados na altura dos ombros; veste uma blusa vinho, inclina a cabeça e sorri suavemente para a foto
A jornalista americana Chelsea Conaboy, autora do livro 'Mother Brain: How Neuroscience Is Rewriting the Story of Parenthood' - Yoon S. Byun

Hormônios que influenciam a gestação e o parto, além de estímulos recebidos do bebê, estariam no centro da revolução que a mente feminina sofre.

A ação sobre o cérebro ajudaria a tornar o órgão mais "plástico", ou moldável, à nova realidade. Áreas ligadas à motivação, à criação de significado e à vigilância são afetadas.

"Os bebês precisam que aprendamos rápido a entender suas necessidades e a responder a elas, ajustando essa reação à medida que vão crescendo. O cérebro parental se transforma de maneiras que ajudam a nos adaptar a esse processo", diz.

"A mudança geral", segundo a jornalista, ocorre em mães biológicas, adotivas e até mesmo nos homens. São ajustes na cognição social —ou seja, na forma pela qual a pessoa percebe e compreende a si e ao outro— com melhora na capacidade de ler e reagir aos sinais do filho.

Capacidades como a atenção ficam mais aguçadas e, ao serem canalizadas para o bebê, se manifestam de diferentes formas. "Talvez como um amor avassalador, talvez como preocupação. Talvez como ambos", exemplifica.

A pesquisa mostrou que o que ela sentia era normal. "Não havia nada de errado comigo. Pelo contrário. Eu estava atravessando uma mudança radical e, embora precisasse de apoio, o que sentia era parte de um processo adaptativo que estava me moldando para ser a mãe que o meu filho precisava."

Essas e outras conclusões foram reunidas no primeiro livro da carreira dela, "Mother Brain: How Neuroscience Is Rewriting the Story of Parenthood" ("Cérebro de Mãe: Como a Neurociência está reescrevendo a história da parentalidade", em tradução literal), lançado no exterior e com previsão de chegada ao Brasil no primeiro semestre de 2024.

Especializada em ciência e saúde, com publicações em veículos como The New York Times, The Guardian e Boston Globe Magazine, a autora concluiu o trabalho após cerca de sete anos debruçada sobre centenas de estudos conduzidos por cientistas e experiências de outras famílias.

Um dos mitos que derruba "é o do instinto materno, ou a ideia de que a capacidade de cuidar é inata, automática e especialmente feminina". "Essa é uma ideia baseada em noções morais e religiosas antigas do que é ser mulher. Só que a capacidade de cuidar cresce na gente com o tempo e a experiência, e pode se desenvolver em qualquer pessoa que dedique tempo, energia e atenção a isso", observa.

A jornalista traz à tona a imagem da "maternidade real", como etapa da vida que também pode ser desestabilizadora e demandar apoio. "Esse é um período de adaptação muito profunda e, ao mesmo tempo, de grande agitação para o cérebro, que traz consigo um aumento no risco de transtornos mentais, incluindo depressão e ansiedade. O sofrimento psicológico é comum. Há uma revolução no estilo de vida, no sono, na dinâmica familiar e na neurobiologia. É por isso que é tão importante que pais e mães de primeira viagem contem com apoio social e estabilidade, para que esse processo transcorra da melhor forma possível."

Estudos em andamento, afirma a jornalista, investigam como históricos de trauma, abusos, instabilidade financeira e outros fatores externos afetam o cérebro nesse período de transformações.

A jornalista avalia que, nos Estados Unidos, país em que foca suas principais análises, a romantização da maternidade tem sido usada como ferramenta de controle social, para convencer as mães a continuarem fazendo o trabalho não remunerado de cuidadoras, ao mesmo tempo em que têm negados cuidados médicos básicos e políticas sociais de que precisam para tomar conta de suas famílias.

Ela reforça a necessidade de apoio social, estabilidade e conhecimento sobre o que o corpo e o cérebro estão passando. "As mães são normalmente vistas como super-heroínas que se auto sacrificam e cujo amor tudo supera. Há muito sobre ser mãe que é bonito e até romântico. Mas a maternidade também é terrivelmente difícil, e se torna ainda mais pesada graças a pressões políticas e sociais que exigem que finjamos que não é bem assim e que está tudo sob controle."

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